Eugenia em Portugal e a esterilização de pessoas com deficiência

Apenas três países europeus autorizam a esterilização em menores, o caso do nosso silencioso Portugal. Mesmo que decida que está na altura de mudar, criminalizar vai ser apenas o primeiro passo.

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Yoann Boyer/Unsplash
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O Governo de Malta encontra-se, neste momento, a criminalizar a esterilização de pessoas com deficiência, aumentando para dez países o número de estados-nações europeus que criminalizam a prática. Apenas três países na Europa ainda autorizam a esterilização em menores, o caso do nosso silencioso Portugal.

A esterilização forçada é uma prática eugénica. A eugenia, por sua vez, faz parte de um conjunto complexo de práticas que visam “melhorar a qualidade genética” da população humana, e pode ser estabelecida através do controlo dos direitos reprodutivos, uma tentativa de impedir a reprodução de pessoas com “características indesejáveis”.

Sabemos e indignámo-nos com a implementação das políticas eugénicas do regime da Alemanha nazi de Adolf Hitler, e do seu programa de “higiene racial” que incluía a esterilização forçada de indivíduos considerados “geneticamente impróprios” e o extermínio de milhões.

Nos EUA, podemos falar acerca do movimento eugenista no início do século XX, a promulgação de leis que permitiam a esterilização forçada dos “inaptos” e “indesejáveis”, que eram: as pessoas com deficiência, as diagnosticadas com doenças mentais, e as comunidades marginalizadas, tais como os afro-americanos e os imigrantes.

A crença em raças superiores, ou geneticamente aptas, em oposição às consideradas inferiores é um pensamento eugénico, que dá base ideológica ao desejo de eliminar grupos específicos e justifica e facilita acções genocidas, tais como a prática deliberada da esterilização forçada.

Com a completa ausência de dados sobre este assunto no país, resta-nos as migalhas de informações que vão chegando até nós, activistas. Chegam-nos relatos de casos onde a pessoa esterilizada não foi informada da cirurgia, com o médico a preencher no relatório médico uma apendicite, até instituições que dizem "todas as nossas meninas são esterilizadas". Este silêncio não é criminoso?

Em 2016, instituições identificadas pressionavam mulheres com deficiência a serem esterilizadas, e não temos informação se foram investigadas ou fechadas. E, na realidade, apesar do consentimento informado ser requerido em Portugal para esta prática, no caso das pessoas com deficiência, este tema é muito mais complexo.

Ser menor ou ter um cuidador definido para tomar decisões significa que este consentimento não é dado necessariamente pela pessoa que vai ser esterilizada. Em Espanha, que baniu a prática em 2020, várias mulheres vieram a público contar como a família ou instituições onde viviam as pressionaram a dar consentimento, e estando dependente dos seus apoios e cuidados, tiveram de o fazer.

O pedido de consentimento tem de ser obtido por processos específicos para cada deficiência, por haver necessidades específicas e diferentes para cada dificuldade, seja a necessidade de guias fáceis de leitura, língua gestual portuguesa ou comunicação alternativa. Sem uma adaptação do procedimento de pedido de consentimento, este pode ser adquirido de forma forçosa ou indevida, seja por não compreenderem a totalidade do que lhes é transmitido por linguagem médica, ou por terem dificuldade de processar a informação, entre tantas outras razões.

Muitas das pessoas esterilizadas não sabem que de facto foram esterilizadas, com esterilizações a acontecerem ao mesmo tempo que outras operações, ou levarem-nas a crer que foi outro tipo de operação. Com a nova directiva para combater a violência contra mulheres e meninas, esta questão surgiu ao nível da União Europeia, e Portugal é um dos estados membros que ainda não foi claro na sua posição sobre este assunto.

Mesmo que Portugal decida que está na altura de mudar, criminalizar vai ser apenas o primeiro passo. Precisamos de descobrir quem foi esterilizado, por que razão, que instituições compactuaram contra os direitos humanos, e garantir que estão e ficam fechadas. Precisamos de saber o número total das pessoas que foram esterilizadas e garantir que são informadas e sabem os seus direitos, assim como providenciar o devido apoio.

No Japão, houve comoção pública quando as esterilizações forçadas sem conhecimento foram descobertas, e as pessoas com deficiência receberam compensação pelos danos causados. No entanto, em Portugal, esta comoção não ocorre quando a vítima tem deficiência, mesmo sendo a única minoria em que a cara pessoa leitora possivelmente se pode encontrar um dia.

A esterilização de pessoas com deficiência vai contra a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Convenção de Istambul. A União Europeia continua a dar passos para criminalizar a prática, e nós, activistas, não vamos descansar até que a prática seja criminalizada em Portugal. Agora resta a pergunta: os portugueses vão continuar a compactuar com a eugenia, ou vamos quebrar o silêncio?

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