Coliseu do Porto cancela The Cradle Will Rock devido à fraca procura de bilhetes

João Lourenço, encenador desta produção do Teatro Aberto, acusa direcção da sala, encabeçada pelo músico Miguel Guedes, de “censura”. Espectáculo musical estava agendado para o dia 25 de Junho.

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The Cradle Will Rock foi apresentado pelo Teatro Aberto em Lisboa em Fevereiro de 2022 Filipe Figueiredo
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O Coliseu do Porto anunciou, no início desta semana, o cancelamento da venda de bilhetes para o espectáculo musical The Cradle Will Rock, uma peça do compositor e dramaturgo norte-americano Marc Blitzstein (1905-1964) que o Teatro Aberto estreou em Lisboa em Fevereiro de 2022, numa encenação de João Lourenço, e que deveria subir ao palco portuense no dia 25 de Junho.

A justificar a decisão, o Coliseu invoca o facto de, desde o início de Janeiro, só terem sido “vendidos oito bilhetes numa sala cuja dimensão de lotação é de 2955 lugares sentados”, como pode ler-se em comunicado no seu site.

Quem não aceita esta justificação e lamenta o cancelamento é João Lourenço, director artístico do Teatro Aberto e encenador de The Cradle Will Rock, que acusa o Coliseu de “censura” e de “não ter feito o trabalho que devia” na divulgação do espectáculo.

“Para mim, dizerem que só temos dez bilhetes vendidos é uma forma de censura do Coliseu do Porto, chamemos-lhe ideológica ou não”, disse o encenador ao PÚBLICO. João Lourenço reagiu assim após ter recebido a mensagem da sala dando conta do cancelamento do espectáculo devido ao facto de a “evolução da bilheteira ter sido nula” e de, a menos de 15 dias da data anunciada para a apresentação da produção do Teatro Aberto, ter sido vendida apenas uma dezena de bilhetes.

O histórico encenador lisboeta lembra que foi a instituição que, há já mais de um ano, ainda com Mónica Guerreiro a presidir à associação Amigos do Coliseu, “decidiu que gostava de mostrar o espectáculo no Porto”. “Ficámos todos contentes e dissemos que sim”, conta João Lourenço, acrescentando que tem a sua equipa de mais de 20 pessoas a ensaiar a nova apresentação da peça “há já mais de um mês” e que foram assumidas despesas de alojamento.

“Nós não somos o Bob Dylan, nem uma banda rock, mas sabemos que o Coliseu tem apresentado peças de teatro com 100 ou 200 pessoas na sala”, acrescenta o encenador.

Respeito pelos artistas e pelo público

No comunicado em que anuncia o cancelamento do musical e lamenta que esta produção do Teatro Aberto “não tenha tido a atenção esperada”, o Coliseu avança que “assumirá as suas responsabilidades com todos os intervenientes neste espectáculo, como sempre o fez, exercendo, enquanto promotor, o seu direito de cancelamento”.

Em declarações ao PÚBLICO, Miguel Guedes, actual presidente do Coliseu do Porto, diz-se “absolutamente siderado com a reacção de João Lourenço”: “Num momento em que o Coliseu está a proteger o Teatro Aberto, acho inaceitável que alguém que é responsável pela companhia insista em apresentar um espectáculo com oito bilhetes vendidos numa sala que leva quatro mil pessoas e uma contratualização que foi feita para 3000 lugares”, diz o presidente da associação Amigos do Coliseu.

Contestando a acusação de que o Coliseu do Porto, enquanto promotor e co-produtor, não fez a divulgação devida, Miguel Guedes explica que “a publicidade foi feita, desde Janeiro, de uma forma completamente normal, como com os outros espectáculos”. Lamenta que “este tenha corrido mal, em termos de bilheteira”, mas reclama, com o cancelamento agora decidido, estar “a proteger a companhia Teatro Aberto, os artistas, os técnicos e o público”. O músico e gestor considera ainda que insistir na realização do espectáculo nestas condições “não seria replicar públicos, nem fazer cultura”.

Questionado sobre se o Coliseu definiu algum número mínimo de bilhetes vendidos para a realização de um espectáculo, o responsável diz que não, mas insiste que “há um momento de percepção, e oito bilhetes vendidos, à razão de um por mês, não é exequível, nem protege ninguém”.

Miguel Guedes classifica como “inaceitável e ridícula” a acusação de “censura” feita por João Lourenço: “É uma acusação que só vai responsabilizar quem a faz, e que será dirimida em tribunal”, admite.

The Cradle Will Rock é um espectáculo lendário na história do teatro musical americano. Apresentada pelo Teatro Aberto e pelo Coliseu como “uma impiedosa sátira brechtiana à corrupção nas mais diversas instituições da sociedade [americana] e um hino ao trabalho e às pessoas pobres em luta pela sobrevivência no período que se seguiu à Grande Depressão”, a obra de Marc Blitzstein, na sua original encenação assinada por Orson Welles, foi alvo de censura pelas autoridades de Nova Iorque, tendo acabado por estrear-se a 16 de Junho de 1937 no Venice Theatre – um episódio que viria a dar um filme de Tim Robbins: Cradle Will Rock (1999).

“Eu não sou o Orson Welles, nem o Porto é a América daquela época, mas é uma ironia ter-se passado isto agora”, diz João Lourenço, repetindo que o seu desejo é apresentar a produção do Teatro Aberto no Coliseu. “Nós queremos que o público do Porto veja este espectáculo”, reiterava ao PÚBLICO ao final da tarde de segunda-feira, garantindo que os ensaios vão continuar.

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