As “visitas” do El Niño têm um custo económico que se prolonga no tempo. Os autores de um estudo científico, publicado recentemente na revista Science, calcularam qual seria a factura a pagar ao longo do século XXI pelo aumento da amplitude destes fenómenos climáticos, considerando um cenário de emissões compatível com as promessas de mitigação de gases de efeito de estufa. E concluíram que as perdas estimadas, em termos de crescimento económico, ultrapassam os 77 biliões de euros.
Durante muito tempo, o custo económico de El Niño foi calculado com base na ocorrência de cheias, incêndios florestais ou quebras na produção agrícola. Estimava-se que o fenómeno poderia estar associado, num período de até um ano, a custos na ordem das dezenas de milhares de milhões de euros. Agora, cientistas sugerem que a factura global paga por cada El Niño pode ser da ordem de biliões.
Os autores – um grupo de investigadores do Dartmouth College, nos Estados Unidos – argumentam que os cálculos tradicionais não levavam em conta défices “persistentes” no Produto Interno Bruto (PIB). Trata-se de abalos que estremecem as economias, sem as derrubar, mas que persistem ao longo de vários anos, impactando o crescimento económico.
“Estudos anteriores que relacionam o clima à economia não incorporaram mudanças na variabilidade climática, e nós mostramos aqui que essa omissão escondeu um custo potencialmente maior do aumento das temperaturas”, escrevem os autores.
No estudo da Science, a equipa demostra que o El Niño “reduz persistentemente” o crescimento económico de economias nacionais e atribui valores concretos a estas perdas globais: 3,8 biliões de euros como consequência de El Niño de 1982 e 1983 e 5,3 biliões de euros no de 1997 e 1998, respectivamente.
Os autores estudaram, por exemplo, no caso peruano. O fenómeno climático El Niño tem origem precisamente em águas do oceano Pacífico, na zona próxima à costa do Peru e do Equador. Estas e outras economias da América Latina têm-se mostrado sensíveis a estes acontecimentos climáticos, sendo que agora se adiciona a esta vulnerabilidade outras dificuldades, como as próprias alterações climáticas e os desafios de recuperação pós-pandemia.
“O El Niño 2023-2024 vai gerar um impacto económico e social muito significativo na América Latina. Estamos a falar de 40 países que, juntos, têm 665 milhões de habitantes”, explicou Rodney Martínez Güingla, representante para a região das Américas da Organização Meteorológica Mundial (OMM), durante uma conferência virtual sobre os desafios do El Niño, organizada pelo Wilson Center.
“Parte destas economias estão muito frágeis após a pandemia, vulneráveis a choques externos”, acrescentou o responsável da OMM. Martínez Güingla argumentava que é necessário apostar em sistemas de alerta precoce que permitam fazer previsões e desenhar estratégias “ao nível nacional”, uma vez que nem sempre é fácil para os decisores políticos de cada país interpretarem informações científicas e, depois, elaborarem medidas concretas. Daí invocar a necessidade de “apoio financeiro multilateral” para que os países mais vulneráveis possam preparar-se e adaptar-se para os impactos do El Niño.
As conclusões do estudo científico da Science também sublinham a urgência da adaptação. “As nossas descobertas sugerem que, embora a mitigação do clima seja essencial para reduzir os danos acumulados pelo aquecimento, é imperativo dedicar mais recursos à adaptação ao El Nino nos dias actuais”, concluem os autores.