Com a iminência de secas, a China planeia novos e ambiciosos projectos de infra-estrutura hídrica, na esperança de que a distribuição de um maior volume desse precioso líquido para todo o país atenue o impacto das alterações climáticas — no entanto, especialistas alertam que o desvio dos rios pode custar caro.
No final de Maio, as autoridades divulgaram planos para a construção de uma “rede hídrica” nacional de novos canais, reservatórios e instalações de armazenamento, visando impulsionar a irrigação e reduzir o risco de inundações e secas.
O ministro dos Recursos Hídricos, Li Guoying, afirmou que o plano “desbloquearia as principais artérias” do sistema fluvial até 2035, aumentando a capacidade do Estado para equilibrar a distribuição do abastecimento de água. Todavia, os especialistas afirmam que esta abordagem não só é cara e prejudicial do ponto de vista ambiental, como também poderá tornar as regiões do sul mais vulneráveis a interrupções no abastecimento e exigir investimentos adicionais em infra-estrutura para resolver essa questão.
“O que eles têm feito até agora é adoptar estratégias para tentar fornecer água fisicamente e resolver o problema hídrico existente”, disse Mark Wang, geógrafo da Universidade de Melbourne que estuda o impacto das infra-estruturas hídricas da China. “Se a China conseguir reduzir o consumo de água e aumentar a eficiência, não precisará de projectos de desvio de água em larga escala.”
O Ministério dos Recursos Hídricos da China não respondeu a um pedido de comentário.
Distribuição de recursos hídricos desigual
Embora não se preveja uma seca este ano tão grave como a do ano passado — em que meses de temperaturas elevadas secaram grande parte da bacia do Yangtze — os meteorologistas alertam que o centro e o sudoeste da China poderão ser afectados pela escassez de água. Algumas regiões do sudoeste já tomaram medidas especiais, com uma empresa prestadora de serviços hídricos no condado de Liangshan, na província de Sichuan, a pedir aos residentes que não tomem banho mais de quatro vezes por mês.
Os recursos hídricos per capita da China são muito inferiores à média mundial e a distribuição é desigual. Há muito que a China depende de infra-estruturas de grande escala para transportar água do Sul, propenso a inundações, para o Norte, árido, e para encontrar soluções técnicas para os seus problemas de abastecimento a longo prazo.
Algumas medidas para reduzir a procura por água já estão em vigor. Os governos locais foram pressionados a reduzir o consumo hídrico, a melhorar a reciclagem das águas residuais e a combater a poluição. A China também lançou mais de 100 projectos de desvio de água nos últimos cinco anos, acrescentou Wang.
De acordo com analistas, o investimento total em activos hídricos fixos ultrapassou 144 mil milhões de euros no ano passado, representando um aumento de 44% em comparação com 2021. No primeiro trimestre de 2023, registou-se um aumento de 15,6%, totalizando 407 mil milhões de yuan (cerca de 51,26 mil milhões de euros), e as autoridades afirmam que outros financiamentos ainda serão disponibilizados.
“É provável que os custos de construção destes projectos continuem a aumentar”, disse Genevieve Donnellon-May, investigadora da Oxford Global Society que estuda as questões hídricas na China.
Reacções em cadeia
Parte do novo plano envolve a expansão do Projecto de Desvio de Água Sul-Norte (SNWDP, na sigla em inglês), um ambicioso projecto de engenharia que desvia os excedentes de água do rio Yangtze para a árida bacia do rio Amarelo, no Norte.
O Governo afirma que o projecto desempenhou um papel vital na “optimização” do abastecimento de água da China, tendo desviado mais de 60 mil milhões de metros cúbicos de água. Mas, como o nome do projecto sugere, o fluxo da água ocorre apenas numa direcção e não pôde ajudar as secas do ano passado.
Ao recorrer a projectos adicionais desta dimensão, os especialistas receiam que a China esteja apenas a deslocar a escassez. Afirmam que os projectos em grande escala como o SNWDP e a Barragem das Três Gargantas desencadearam uma “reacção em cadeia” de consequências imprevistas que exigem milhares de milhões de yuan em novas infra-estruturas para serem corrigidas, declarou Mark Wang, da Universidade de Melbourne.
A transferência de água para o norte através do reservatório de Danjiangkou, por exemplo, esgotou a água a jusante no rio Han, obrigando as autoridades a propor outro projecto de 60 mil milhões de yuan (cerca de 7,6 mil milhões de euros) para ligar Danjiangkou ao reservatório das Três Gargantas.
A Barragem das Três Gargantas, que retém 40 mil milhões de metros cúbicos de água do Yangtze para a produção de energia e gestão das cheias, tem sido associada aos níveis recorde de água no lago Poyang. Para resolver o problema, as autoridades avaliam construir uma nova comporta de eclusa que, segundo os críticos, destruirá os habitats locais.
A China também propôs um projecto para desviar água da região do Tibete para o noroeste da China, o que alarmou a Índia e outros países dependentes de rios como o Brahmaputra e o Mekong.
Abordagens alternativas que se centrem na reciclagem de águas residuais, na dessalinização ou na redução da procura poderiam revelar-se mais eficazes, disse Wang. Com cerca de 60% do abastecimento de água da China a ser utilizado na agricultura, é possível obter ganhos de eficiência ao mudar as culturas ou utilizar métodos de irrigação alternativos, acrescentou o geógrafo.
“Para algumas soluções técnicas — se forem viáveis e se o impacto ambiental local não for enorme, não sou totalmente contra”, disse Wang. “Mas a escala, o alcance e o impacto são imensos… se fizermos o mesmo esforço do lado da procura e conseguirmos obter um melhor resultado, é esse o objectivo.”