O juiz Carlos Alexandre já é desembargador

Magistrado recusou-se durante anos a ser promovido ao Tribunal da Relação. Alegava não saber “comer de faca e garfo” nem estar “habituado a certos pratos”.

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Em 2010 foi obrigado a renunciar expressamente à promoção, já que a evolução era automática. NUNO FERREIRA SANTOS
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O juiz Carlos Alexandre entrou no Tribunal da Relação de Lisboa, deixando assim a justiça de primeira instância e tornando-se desembargador. Também se candidatou a procurador europeu, concorrendo ao cargo juntamente com outros três magistrados portugueses.

Há muito que o juiz que assina apenas Alexandre reúne condições para dar este passo na carreira. Mas até há menos de um ano sempre recusou fazê-lo, justificando em privado esta opção com a sua independência profissional: “Sou um simples e perene juiz de província. Não tenho estudos, não sei comer de faca e garfo, nem estou habituado a comer certos pratos”, ironizava, autodenominando-se "o saloio de Mação".

Em 2010 foi obrigado a renunciar expressamente à promoção, já que a evolução era automática. Depois de insistir em manter-se como juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, em vez de concorrer a desembargador, o magistrado deparou-se com uma transformação na orgânica deste tribunal que fez com que os megaprocessos que antes eram distribuídos entre si e outro juiz, habitualmente Ivo Rosa, passassem a ser sorteados entre nove magistrados. Com esta fusão entre o Tribunal Central de Instrução Criminal e o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, tanto podiam ir parar-lhe às mãos os grandes casos como a pequena delinquência – à qual, de resto, não é de todo alheio, uma vez que durante muito tempo Carlos Alexandre fez turnos extras como forma de aumentar o salário durante os quais lidava com este tipo de criminalidade.

“A primeira razão é porque, não tendo eu fortuna pessoal, algumas das coisas que adquiri e alguns encargos e compromissos em que me meti só são sustentáveis se eu trabalhar mais. Como eu não tenho amigos, amigos no sentido de pródigos, não tenho fortuna herdada de meus pais ou de meus sogros, eu preciso de dinheiro para pagar os meus encargos. E não tenho forma de o alcançar que não seja através do trabalho honrado e sério”, disse numa entrevista à SIC em 2016, revelando que por cada sábado ganhava 75 euros. Houve anos em que só folgou quatro sábados.

Com 61 anos de idade, 37 dos quais na magistratura, pelas suas mãos passaram casos como a Operação Marquês, o BES, o BPN, a Operação Furacão e o Monte Branco, entre muitos outros. Foi ele que mandou prender o ex-primeiro-ministro José Sócrates, em 2014, mantendo-o na cadeia e depois em prisão domiciliária durante 11 meses. Chamava-lhe o "engenheiro Pinto de Sousa". Ou, como diria no seu léxico muito próprio, desencadeou as formalidades de embarque - os procedimentos burocráticos que antecedem a entrada dos arguidos nos estabelecimentos prisionais. O advogado Proença de Carvalho chamou-lhe "superjuiz dos tablóides" e o antigo chefe do Governo desencadeou contra ele uma queixa-crime, por abuso de poder na distribuição do processo da Operação Marquês. Mas o magistrado foi ilibado.

Começou a carreira em meados dos anos 80 como juiz auxiliar no Tribunal de Felgueiras. Seguiram-se Cascais, Vila Franca de Xira e Oeiras. Já estava nas Varas Mistas de Sintra quando, em Abril de 2000, aceita acumular funções na Polícia Judiciária Militar, como juiz de instrução. Foi aí que ganhou traquejo a lidar com esquemas de corrupção, burlas e falsificações.

Filho de um carteiro e de uma operária fabril, é o mais novo de três irmãos. Continua a ter fortes laços com Mação, a terra que o viu nascer e onde construiu casa de férias.

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