Tal como muitos outros moradores da capital do Sudão, a pintora Yasmeen Abdullah teve de deixar muita coisa para trás quando fugiu da guerra que eclodiu à sua volta. Para a artista, isso incluía a maior parte do seu trabalho.
"Tive de abandonar muitas coisas, e partir sem saber quando regressaria, ou se as coisas que deixei estariam lá quando voltasse", conta. "Cerca de 20 peças de arte, anos de prática artística, esboços, desenhos — literalmente tudo."
O conflito entre facções militares rivais tomou rapidamente conta da capital a 15 de Abril, encurralando os civis no meio de bombardeamentos aéreos, batalhas terrestres, paramilitares saqueadores e pilhagens generalizadas.
Abdullah faz parte de uma cena artística jovem que ganhou força com a revolta popular contra o autocrata Omar al-Bashir e que, quatro anos mais tarde, se encontra dispersa pela guerra. Para a artista grávida de nove meses, ficar numa cidade onde a electricidade foi cortada e os serviços de saúde entraram em colapso seria especialmente difícil.
"O centro de saúde perto de minha casa foi bombardeado no mesmo dia em que eu tinha agendado um check-up de rotina. Foi aí que eu e o meu marido percebemos que não era seguro ficar", conta.
Agora, Yasmeen e o marido estão a procurar refúgio em Shendi, uma cidade a 150 quilómetros a norte de Cartum, onde planeia dar à luz e depois deixar o Sudão.
Protestos silenciosos
Sob o regime islâmico de Bashir, as atividades culturais e sociais eram estritamente controladas. Quando foi derrubado em 2019, deu-se uma explosão cultural que incluiu murais de rua e música contemporânea.
"Sempre fomos reprimidos, especialmente durante o regime de Bashir", di< Rahiem Shadad, de 28 anos, que co-fundou uma galeria na capital do Sudão em 2019. "Os artistas eram forçados a estar dentro de bolhas e tinham os seus próprios protestos silenciosos. A revolução mudou tudo, mas, sobretudo, trouxe uma nova geração de artistas", acredita.
A galeria de Shadad angariou pouco mais de 8500 euros, de um objectivo de 30 mil, para apoiar financeiramente os artistas durante a guerra. Uma das 70 pessoas que a galeria está a ajudar é Muhammed Yusuf, que se recusa a deixar o seu estúdio em Omdurman, a cidade do outro lado do Nilo, onde cresceu.
"Tenho o meu próprio papel como inovador, bem como a minha própria mensagem para a sociedade como líder comunitário, e este é o lugar a partir do qual gostaria de criar", explica Yusuf.
Outros artistas dispersaram-se. Khalid Abdelrahman, conhecido pelas suas pinturas estilizadas dos bairros de Cartum, ficou alguns dias no centro da cidade quando a guerra começou, antes de transferir a família para a periferia sul da capital.
Mais tarde, dirigiu-se para Wadi Halfa, uma cidade a 30 quilómetros da fronteira egípcia, que espera atravessar nas próximas semanas. "Preciso de conseguir o visto para o Egipto para poder voltar a trabalhar", disse.
O pintor e professor de arte reformado Salah Abdelhay fugiu para o Egipto com a mulher e as duas filhas. Antes de partir, retirou algumas obras das molduras, enrolou-as e levou-as para o Cairo. As obras de maior dimensão ficaram para trás.
"Tememos por todo o património sudanês, pelas artes plásticas, pela música, por tudo. Estas pessoas podem destruir tudo", afirmou.