As notícias que ao longo das últimas semanas têm chegado da região espanhola de Andaluzia trazem o receio de elevadas perdas na produção de cortiça. E a culpa é de uma borboleta, a Lymantria dispar, que dá origem a uma lagarta, chamada “peluda” ou “lagarta-do-sobreiro”. Os ataques desta praga, que ocorre com maior frequência em períodos de seca severa e extrema, já estão a impedir a recolha da cortiça em Espanha.
A disseminação da praga por espécies do género Quercus (sobreiros, azinheiras e carrascos) já está a impossibilitar o descortiçamento no Parque Natural Los Alcornocales, na província de Cadiz, uma das maiores manchas de montado de Espanha, com uma área de 173.619 hectares, pondo em risco a economia de toda a região. A presença da lagarta compromete o desenvolvimento dos sobreiros e da cortiça e na azinheira reduz os frutos (bolotas), condicionando assim, a produção de suínos em regime de montanheira (quando os animais pastoreiam no interior do montado).
A praga já está presente em mais de 45.000 hectares do parque natural, mas a fileira espanhola da cortiça estende-se às regiões da Extremadura, Andaluzia e Catalunha, ocupando um território com cerca de 574 mil hectares de montado de sobro. É o segundo produtor mundial de cortiça com 25% (62 mil toneladas) depois de Portugal com 60% (100 mil toneladas).
Nas declarações à imprensa regional de Andaluzia, a presidente do conselho de administração do Parque Natural Los Alcornocales, Ana Villaescusa, frisou que “a praga da lagarta-peluda [como é conhecida em Espanha] já se arrasta há vários anos, causando danos acrescidos ao sobreiro, além de um significativo alarme social pela imagem de árvores sem folhas”. Com efeito, foi no século XIX que se registaram os efeitos mais graves da Lymantria dispar, em Salamanca; e nos anos 50 do século passado os ataques da praga estenderam-se às ilhas Baleares.
A Junta de Andaluzia admite que a praga está a destruir a produção de cortiça e que “os estragos podem ser irreparáveis”. A acção da lagarta, para além de reduzir a qualidade da cortiça, deixando-a imprópria para a produção de rolha natural, impede a sua extracção por pôr em risco a sobrevivência das árvores afectadas. E se a praga for muito intensa, como tem acontecido nos últimos anos, acaba por deixar a copa dos sobreiros toda desfolhada.
O ministro da Sustentabilidade, Meio Ambiente e Economia Azul, da região andaluz, Ramón Fernández-Pacheco, já solicitou uma autorização especial ao governo central para que se possa recorrer à utilização de produtos fitossanitários por via aérea e, desta forma, “combater a grave emergência ambiental e socioeconómica” provocada pela Lymantria dispar.
Mas subsiste um risco: o uso de produtos químicos pode afectar outras espécies, principalmente as abelhas, que representam outra das grandes riquezas da região espanhola que faz fronteira com o Alentejo, onde ciclicamente a praga também faz estragos, como aconteceu em 2012.
Pesticidas fora de questão
Na notícia do PÚBLICO sobre a proliferação da lagarta-do-sobreiro, como é conhecida em Portugal, em 2012, constatava-se que a praga incidiu na maior mancha de montado de sobro do mundo, localizada na região do Vale do Tejo-Sado, uma área com quase meio milhão de hectares. A intensidade da praga alarmou os produtores de cortiça.
Luís Dias, presidente da Associação de Agricultores de Grândola (AAG), descreveu então que a eclosão da larva do insecto “provoca a desfolhagem das árvores, afecta a qualidade da cortiça e pode causar problemas de saúde devido aos pêlos urticantes da lagarta. São aos milhões os insectos que deixam os sobreiros num estado desolador, limpos de folhas quando se encontram na sua fase mais tenra, durante a Primavera, devoradas pelas lagartas”.
O presidente da AAG salientava ainda que as pragas provocadas por insectos “já têm muitas décadas” e que até aos anos 1960 as espécies de lagarta-do-sobreiro justificavam “o recurso a tratamentos com DDT” que prosseguiram durante muitos anos e obrigavam a usar meios aéreos.
Mas, nos dias de hoje, recorrer ao DDT ou a outros insecticidas, “está fora de questão”, adiantou Luís Dias, nos esclarecimentos que agora prestou ao PÚBLICO, garantindo ainda não lhe ter chegado até ao momento qualquer indicação sobre eventuais focos da Lymantria dispar tanto em Grândola como nos concelhos vizinhos, onde existem extensos povoamentos de montado.
Poços secos e poucos surtos em Portugal
“O problema mais grave com que neste momento nos deparamos é outro: tem que ver com a crescente escassez de recursos hídricos”. O presidente da AAG critica o modo como estão a ser usados os aquíferos subterrâneos. “Os poços estão quase todos secos e a abertura indiscriminada de furos é a solução alternativa a que se recorre”, critica Luís Dias, frisando que já não se encontra água a menos de 100 metros de profundidade. “Este é que é o nosso grande problema, que está, também ele, a afectar o montado”, salientou.
Noutro ponto do Alentejo, a Associação de Produtores Agroflorestais da Região de Ponte de Sôr, onde se concentra uma das maiores manchas de montado do país, adiantou ao PÚBLICO que em 2022 apareceram alguns focos provocados pela lagarta-do-sobreiro em Castelo de Vide. “Os sobreiros afectados foram todos abatidos” e não há registo da praga noutros locais, esclareceu a porta-voz da associação.
O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) disse ao PÚBLICO que os registos de ataques desta praga em Portugal “têm sido muito pontuais quer no tempo, quer no espaço territorial”, essencialmente na zona do litoral alentejano, de que são exemplo “referências à sua presença em Odemira, Santiago do Cacém e Sines”, e não confirma extensões da praga a Castelo de Vide.
Sobre eventuais impactos que a presença da lagarta-do-sobreiro possa ter na extracção da cortiça o ICNF garante que “não existe conhecimento de que a Lymantria dispar esteja actualmente a causar em Portugal problemas que por si só afectem a extracção de cortiça, não obstante essa situação possa acontecer em anos atípicos”. Porém, acrescenta: “As árvores em geral não morrem em resultado da acção deste insecto desfolhador, voltando a rebentar e a repor a sua copa.” No entanto, a dimensão dos estragos associados a este tipo de insectos, que atacam as folhas, “depende muito da dimensão das suas populações presentes nas árvores”.
Como consequência da desfolha, ocorre uma diminuição da capacidade de laboração dos sobreiros, o que leva ao “decréscimo da produção lenhosa, de fruto e de cortiça, que poderá, em situações extremas, ser difícil ou mesmo impossível de extrair”.
No caso de árvores já muito enfraquecidas, mas ainda com copa, “pode precipitar o seu fim, visto já não terem reservas que lhes permitam repor a folhagem”. Desta forma, a morte das árvores atacadas só ocorrerá “sob grandes ataques de Lymantria dispar e depois da acção de outras pragas e doenças, ditas ‘oportunistas’”, conclui o ICNF.