Porquê tão sós? Estudo português explora relação entre redes sociais e solidão

O cérebro evoluiu para sentir conexão social quando há pessoas fisicamente presentes – a teoria pode explicar a relação entre redes sociais e solidão num estudo recente do ISPA e da Fundação La Caixa.

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O estudo baseia-se em cinco mil inquéritos sobre redes sociais e solidão Stefan Spassov /Unsplash
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Quanto mais tempo as pessoas passam ligadas a redes online, como o Facebook, o TikTok, o Reddit e o YouTube, mais sós se sentem – mesmo que mantenham relações sociais satisfatórias fora da Internet e interajam com várias pessoas. Esta é uma das conclusões do estudo Solidão e as Redes Sociais, conduzido em Portugal pelo Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA) e pelo Observatório Social da Fundação La Caixa.

A missão: perceber a prevalência de sentimentos de solidão num mundo “apinhado” em que se torna cada vez mais fácil contactar com outras pessoas através da esfera digital. Sem acompanhamento, a solidão torna-se um “factor de risco para distúrbios mentais, doenças físicas e mortalidade precoce”, realçam os investigadores.

"Os utilizadores de redes sociais não estão mais protegidos de sentimentos de solidão e, inclusivamente, até estão mais em risco de se sentirem sós, principalmente se a utilização for muito frequente e compulsiva”, explica ao PÚBLICO o investigador Rui Miguel Costa, que é um dos autores do trabalho do Centro de Investigação William James, no ISPA. "É válido dizer que, em média, as pessoas que utilizam as redes sociais estão mais sós."

Os resultados baseiam-se em inquéritos online respondidos por cinco mil participantes portugueses. A amostra final inclui uma proporção de participantes semelhante à população portuguesa em termos de sexo, idade e área de residência. Apenas 218 (4,4%) das pessoas inquiridas não utilizavam algum tipo de rede social.

O nível de solidão foi avaliado com base na Escala de Solidão da Universidade de Los Angeles (UCLA Loneliness Scale), desenvolvida nos anos 1990 para avaliar a frequência com que uma pessoa se sente “desligada” de outros com base em 20 questões, como “Com que frequência se sente excluído?” ou “Com que frequência se sente parte de um grupo de amigos?”

Além das tradicionais redes, como o Facebook ou o Instagram, os investigadores consideraram plataformas de trabalho, como o Linkedin, fóruns online como o Reddit, sites de partilha de vídeos e canais de mensagens.

“Todas têm em comum porem em contacto um grupo de pessoas que assim podem comunicar entre si. São precisamente algumas características desta comunicação que poderão levar à solidão”, justifica Rui Miguel Costa. “Mais do que uma rede social em particular, são as características da utilização que podem levar à solidão”, continua o especialista. “Por exemplo, muita exposição a conteúdos que levam a pessoa a sentir-se inferior, ou então uma grande ânsia de ter uma atenção por parte de outros nas redes sociais que nunca chega.”

As próprias características da comunicação online, como a falta de contacto físico, também são relevantes. “O cérebro humano evoluiu para sentir conexão social quando os outros estão fisicamente presentes; por isso a comunicação via ecrãs nunca preencherá totalmente a nossa necessidade de afiliação”, teoriza o investigador do ISPA. “Um grupo só pode ajudar na sobrevivência dos seus membros se estes estiverem fisicamente presentes. Tal como o medo evoluiu para nos afastar do perigo, a solidão evoluiu para nos motivar a estar junto de outros”, continua Rui Miguel Costa. “Com a comunicação por ecrãs, o sinal de alarme da solidão continua a tocar.”

As conclusões do estudo do ISPA não são ímpares há anos que vários investigadores tentam explorar a relação entre redes sociais e a solidão. Uma revisão de literatura de 2021, com base em 52 estudos sobre o tema, publicada na revista académica Computer in Human Behaviour Reports, nota que um maior uso das redes sociais está associado a sentimentos de ansiedade social e a solidão. Um pequeno estudo de 2018 da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, nota mesmo que estudantes que reduziram o uso de redes sociais (como o Facebook, Instagram e Snapchat) para 30 minutos diários apresentaram uma redução nos sintomas de isolamento e depressão.

“Há alguma investigação que mostra que reduzir o uso das redes sociais leva a melhorias do estado de humor, mas ainda é pouca; é necessária mais, incluindo em Portugal, onde ainda não foi realizado nenhum estudo deste género”, reflecte o investigador Rui Miguel Costa. No futuro, a equipa espera perceber que outros sentimentos negativos estão associados às redes sociais e o que os desencadeia. “São necessários estudos que nos permitam clarificar mais em detalhe quais os mecanismos que fazem com que as redes sociais possam levar à solidão e porque é que podem fazê-lo mesmo em pessoas que relatam que têm relações pessoais satisfatórias.”

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