A boneca de papel

A verdade magoa e a verdade deita sangue e a verdade sabe a cianeto como os caroços das cerejas.

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No Natal, rezavam-se três missas seguidas. De madrugada, as meninas eram levadas para o refeitório. A irmã gorda, sempre enlevada, atirou um sermão para o centro da cantina: Ó meus anjos, levai as minhas lágrimas para dentro dos ouvidos secos dos homens e suavizai o seu coração, deixai-me mostrar-lhes como a Divindade, com o mel das tempestades, nos ofereceu a vida eterna embrulhada na aparência da vida transitória; deixai-me dizer-lhes, meus anjos, que terão de fazer como as crianças, terão de rasgar, sim, meus anjos, de rasgar o papel e a carne e o peito para encontrar o brinquedo, o seu coração, a eternidade. Assim é a vida, um presente que é preciso desembrulhar vivendo e morrendo, a vida é, meus anjos, como uma pergunta, todas as perguntas têm no seu âmago a verdade: ao mastigá-las descobre-se o caroço, fere-se a boca, porque, meus anjos, a verdade magoa e a verdade deita sangue e a verdade sabe a cianeto como os caroços das cerejas.

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