Elefantes na estrada? Animais selvagens estiveram mais perto de nós na pandemia

Durante os confinamentos da pandemia de covid, mamíferos selvagens percorreram distâncias mais longas e estiveram mais próximos de estradas. Trabalho tem participação de um cientista português.

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Elefantes durante a travessia de uma estrada Tempe Adams
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Pumas vaguearam pelas ruas de Santiago do Chile. Javalis foram vistos nos passeios de Barcelona. Ou veados observados em Nara, no Japão. Com as pessoas fechadas em casa durante a pandemia de covid-19, foram sendo frequentes os avistamentos de animais selvagens perto ou dentro das cidades. Afinal, o que aconteceu?

Um artigo publicado esta semana na revista científica Science confirma que houve alterações comportamentais dos mamíferos terrestres durante o período em que estivemos confinados. Nessa altura, os mamíferos selvagens percorreram distâncias maiores e estiveram mais próximos das estradas durante os confinamentos.

A questão era esta: durante a pandemia, será que vimos animais selvagens aproximarem-se mais de estradas e povoações porque estavam a ter alterações comportamentais ou porque nós próprios lhes prestámos mais atenção porque estávamos em casa?

Para responder a essa questão, uma equipa internacional de cientistas recolheu dados sobre as movimentações de 43 espécies diferentes de mamíferos terrestres. Essa monitorização foi feita por dispositivos GPS. Ao todo, foram acompanhados 2300 indivíduos, como girafas da Namíbia, elefantes da Birmânia, veados da Baviera e pumas na Califórnia. Também foram comparadas as movimentações desses animais durante o primeiro confinamento da pandemia, isto é, o primeiro semestre de 2020, com as dos meses do ano anterior.

Conclusão: nos confinamentos, os mamíferos terrestres fizeram distâncias até 73% maiores do que no ano anterior. Mais: os animais ficaram cerca de 36% mais perto de estradas no período em análise de 2020 do que nos mesmo período do ano anterior. A grande razão apontada pela equipa é que estradas estavam bem menos movimentadas durante o confinamento, indica-se no comunicado sobre o trabalho.

Confirmou-se também o que se esperava: houve diferenças nos locais com confinamentos menos e mais restritivos. Os investigadores sugerem que isso tenha acontecido porque, nos confinamentos menos restritivos, as pessoas eram encorajadas a ir mais para a natureza.

“Uma oportunidade única”

João Paulo Silva diz ao PÚBLICO que este trabalho mostra a “plasticidade” que os mamíferos terrestres têm para ocuparem habitats que habitualmente não estão disponíveis, porque estão a ser ocupados pelos humanos. Para si, esta investigação dá-nos boas pistas para entendermos os animais selvagens e o espaço que ocupam: “O período de confinamento representou uma oportunidade única para quantificar quanto habitat pode ser recuperado para os animais selvagens se mudarmos de comportamento”, nota o cientista do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Biopolis-Cibio) da Universidade do Porto, que participou no artigo agora publicado na Science.

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Alces invadindo locais limitados por cercas Mark Gocke

Este trabalho apresenta sobretudo as movimentações de animais terrestres da Europa e da América do Norte. Contudo, não há resultados concretamente para Portugal. “Infelizmente, os períodos de seguimento dos animais para os quais tínhamos dados de seguimento GPS não eram compatíveis com os que eram requeridos pelo estudo”, esclarece o investigador.

Marlee Tucker, cientista da Universidade de Radboud (Países Baixos), considera que este trabalho também esclarece vários pontos importantes sobre nós, sobre a nossa coexistência e partilha de espaço com os animais selvagens. “Isto traz-nos esperança para o futuro, porque, em princípio, significa que fazer alguns ajustamentos ao nosso próprio comportamento pode ter um efeito positivo nos animais selvagens.”

Colleen Cassady St. Clair, da Universidade de Alberta, no Canadá, que não participou neste trabalho, confirma a importância das conclusões do estudo. “Os resultados [do estudo] chamam a atenção para o impacto ambiental dos veículos [que durante o confinamento foram menos nas estradas], o que é discutido publicamente menos vezes do que os efeitos das emissões, as infra-estruturas rodoviárias e da perda de habitat”, assinala Colleen Cassady St. Clair num comentário também publicado na Science esta semana.