A maioria das promessas climáticas dos países não é fiável, revela um artigo publicado nesta quinta-feira na revista científica Science. Umas são mais ambiciosas – transpõem metas para a legislação nacional e já estão a mostrar resultados, como na União Europeia, por exemplo –, outras ainda estão bem longe disso. O estudo, que analisa a credibilidade dos compromissos climáticos de diferentes economias, demonstra que existe um abismo entre as palavras e as acções.
“A nossa mensagem é muito clara: promessas vazias não valem de nada”, afirma a co-autora Joana Portugal Pereira, investigadora portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Brasil, e autora líder do sexto ciclo de avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa).
Numa videochamada a partir de Bona, na Alemanha, onde decorre a Conferência do Clima até ao dia 15 de Junho, a cientista referiu que “mais de 90% das promessas analisadas no estudo não são credíveis”. Este evento serve de antecâmara para a Conferência das Mudanças Climáticas (COP28), que se realiza em Dezembro no Dubai.
No artigo da Science, a credibilidade dos países foi avaliada segundo três critérios. O primeiro consiste em verificar se a meta de neutralidade climática é vinculativa à lei nacional ou, ao invés disso, se se trata de uma promessa vã. O segundo está ligado às metas de curto prazo, ou seja, se estas estão em consonância com as de longo prazo. O terceiro ponto é perceber qual é a tendência actual de emissões, se tende a decrescer ou a aumentar.
“Estabelecemos um sistema de semáforos: vermelho, amarelo e verde. Se falhou em todos os critérios de credibilidade, naturalmente será vermelho, significa que as promessas são balelas. Os amarelos significam baixa ou média credibilidade. Temos pouquíssimos verdes”, explica Joana Portugal Pereira numa videochamada com o PÚBLICO.
A União Europeia, por exemplo, mereceu uma luzinha verde no semáforo das promessas climáticas. Isto porque os países-membros têm plasmado nas legislações nacionais os objectivos para que se cumpra o Acordo de Paris, possuem um plano de implantação de medidas “credível” e, por fim, as emissões estimadas para 2030 são inferiores às registadas em 2020. Assim sendo, os três critérios estabelecidos no estudo ficam cumpridos.
Contam-se pelos dedos das mãos as economias que conquistaram o sinal verde. Além da União Europeia, apenas a Nova Zelândia e o Reino Unido obtêm a classificação mais alta de credibilidade. “Se considerássemos todas as partes da UNFCCC [a agência das Nações Unidas para o clima], acredito que alguns países insulares também apresentassem propostas credíveis, mas neste trabalho preferimos debruçarmo-nos sobre os grandes poluidores”, afirma Joana Portugal Pereira.
Em resumo, os autores avaliaram tanto as metas climáticas como as estratégias dos diferentes países, classificando-as no que toca à credibilidade e fazendo uma estimativa de como os objectivos climáticos podem ser afectados por esse mesmo grau de confiança. Depois, foram traçados cinco cenários com projecções de emissões globais de gases de efeito estufa e níveis de temperatura média até ao final do século. O que as conclusões deste trabalho mostram são números pouco auspiciosos no que toca ao aquecimento global.
O cenário A é o mais pessimista e o E o mais optimista. “O cenário A, na verdade, considera que nada teria sido feito no campo da política climática desde 2010. É o pior cenário possível, mas também é um cenário contra factual, ou seja, é um cenário em que teríamos de recuar – e eu, pessoalmente, não creio que isto aconteça. Creio que estamos muito próximos do cenário B, algures entre o B e o C”, estima a cientista portuguesa. O cenário B situa-se entre os 2,4 e os 3 graus Celsius, um intervalo que está “bastante acima dos níveis considerados seguros pelo conhecimento científico actual.”
“A nossa análise mostra que se apenas as metas climáticas credíveis forem alcançadas, estima-se que a temperatura global ultrapasse os limites do Acordo de Paris. Espelhar os objectivos climáticos na legislação doméstica, formulando planos para implantá-los e, em seguida, traduzir estes planos em políticas e medidas que impulsionam as reduções de emissões no curto prazo são etapas críticas para garantir o alcance de todas as metas”, concluem os autores.
“Um rito de passagem”
As políticas climáticas globais “estão a testemunhar um rito de passagem”, lê-se no artigo da Science. Até agora, gastaram muito tempo a fazer promessas ambiciosas, a maioria relacionadas com a redução de emissões de gases de efeito estufa. Agora, o foco deve estar mais em como pôr em prática medidas e estratégias para alcançar metas tão elevadas. “Uma questão crucial é saber se podemos acreditar que os países cumprirão os compromissos que assumiram”, escrevem os autores.
Isto é um pouco como ter uma dívida grande e, para honrá-la, fazer a promessa de destinar todos os meses uma fracção do ordenado ao pagamento parcial. O tempo passa e o devedor nunca chega a cumprir o que prometeu. Todos os meses gasta tudo aquilo que ganha. Assim, a dívida não só não diminui como há menos tempo para pagar um montante cada vez maior. Do mesmo modo, muitos países fizeram promessas que se tornam cada vez mais difíceis de cumprir.
“É importante fazer pressão em todas as frentes para que estas medidas a longo prazo, que são muito importantes, sejam fundamentadas com planos concretos, a curto prazo, nacionais e sectoriais. E é isso que temos visto pouco. As duas frentes, de curto e longo prazo, têm de caminhar em simultâneo”, argumenta Joana Portugal Pereira.
Mesmo que o cenário mais optimista seja alcançado – algo possível, mas improvável –, as temperaturas globais podem ultrapassar os limites preconizados pelo Acordo de Paris. “Os nossos resultados ilustram claramente que a melhor maneira de se proteger contra a incerteza climática e os seus possíveis impactos desastrosos na natureza e na sociedade é definir, implantar e atingir as metas prometidas de curto e longo prazo”, avisam os autores.