Ordem suspende por seis meses dois cirurgiões de Faro denunciados por jovem médica
Conselho disciplinar do Sul suspende dois cirurgiões até 14 de Dezembro. Director clínico do Hospital de Faro diz que não foi notificado e que desconhece motivos que levaram a suspensão.
O conselho disciplinar regional do Sul da Ordem dos Médicos (OM) suspendeu preventivamente por seis meses, até 14 de Dezembro, dois cirurgiões do Hospital de Faro na sequência de denúncias de alegada má prática efectuadas por uma jovem médica.
Um dos visados nas denúncias era o orientador do internato da médica Diana Pereira, que estava no primeiro ano da especialidade de cirurgia geral, segundo o Expresso, que adiantou a notícia.
O bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, revelou que a suspensão preventiva – que esta quarta-feira foi tornada pública através de um edital assinado pelo presidente do conselho disciplinar – abrange o director do serviço de cirurgia geral e outro cirurgião do hospital.
“Tenho de louvar o trabalho feito pelo conselho disciplinar, que entendeu que não era necessário aguardar pelas conclusões da outra investigação [que está a ser feita por uma comissão independente], porque havia indícios suficientes para a suspensão preventiva. De alguma forma, é inédito que a Ordem dos Médicos trate este tipo de assunto com esta celeridade, mas era importante, tendo em conta o teor das denúncias”, disse Carlos Cortes ao PÚBLICO.
A suspensão dos dois cirurgiões justifica-se por razões de "segurança dos doentes", mas igualmente para permitir que o conselho disciplinar prossiga com as diligências necessárias à avaliação dos vários casos denunciados, acrescentou.
Sem especificar os motivos que estão na base da suspensão, o edital remete para o artigo 33º do regulamento disciplinar da OM, o qual refere que, após a audição do arguido, ou se este não comparecer para ser ouvido, pode ser ordenada a sua suspensão preventiva “mediante deliberação tomada por maioria qualificada de dois terços" do conselho disciplinar. Mas esta suspensão apenas pode ser “decretada nos casos em que haja indícios da prática de infracção disciplinar" à qual corresponda a sanção de suspensão até 10 anos ou a expulsão, as mais graves (as outras são a advertência e a censura).
Foi em Abril passado que Diana Pereira divulgou a denúncia, que inclui 11 casos de alegados erros e violação da leges artis [boas práticas médicas à luz do conhecimento científico actual] no serviço de cirurgia geral do hospital. Começou por apresentar uma queixa na Directoria do Sul da Polícia Judiciária (Faro) e divulgou a denúncia nas redes sociais e na comunicação social. Queixou-se depois à OM e ao bastonário e enviou informação para a Entidade Reguladora da Saúde e para o ministro da Saúde. O Ministério Público abriu, entretanto, um inquérito.
De acordo com a médica, dos casos relatados e que terão ocorrido entre Janeiro e Março deste ano, “três [doentes] morreram”, três estavam “internados nos cuidados intermédios” e “os restantes tiveram lesão corporal associada a erro médico, que variam desde a castração acidental, perda de rins ou necessidade de colostomia para o resto da vida”.
Comissão independente ainda investiga
Na sequência da denúncia, a Ordem dos Médicos constituiu de imediato uma comissão independente para investigar o caso, tendo o bastonário justificado a medida com a necessidade de dar “uma resposta rápida, célere e consequente”.
Carlos Cortes explicou que a OM dispõe de estruturas próprias para investigar denúncias de má prática médica, como os conselhos disciplinares (os regionais e o superior), mas argumentou que, tendo em conta “a especificidade do que foi relatado e a gravidade das queixas”, decidiu criar esta comissão independente – que continua ainda a avaliar a denúncia. “Esta comissão está a fazer um trabalho aprofundado de apuramento dos factos que vai demorar mais tempo”, justifica.
As conclusões serão posteriormente enviadas ao conselho disciplinar, que é uma espécie de "tribunal" da Ordem dos Médicos e a entidade que "tem autoridade para depois, se for o caso, tomar as devidas decisões sobre estes ou outros médicos".
Diana Pereira deixou, entretanto, de trabalhar no Hospital de Faro. Após a denúncia, o director do serviço de cirurgia geral assinou uma nota interna a informar que a jovem médica só poderia exercer “medicina tutelada, sob a supervisão de especialista”, o que implicou, na prática, o seu afastamento. “No meu serviço não exercerá mais, porque nem eu e nenhum dos cirurgiões a quer tutelar”, alegou.
A médica interna retorquiu, então, que também não queria continuar a trabalhar ali. “Quando fiz a queixa, a minha intenção era despedir-me de seguida, mas depois achei que não poderia ser prejudicada por toda esta história. Fico à espera da posição da Ordem dos Médicos".
O PÚBLICO tentou contactar telefonicamente a assessoria e o director clínico do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA, que inclui as unidades de Faro e de Portimão), sem sucesso. À TSF, a administração optou por não comentar o caso, alegando que o inquérito interno aberto pela unidade passou a estar a cargo da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
Mais tarde, o director clínico do centro hospitalar, Horácio Guerreiro, disse à TSF que não foi notificado e que ignora os motivos que levaram à suspensão de dois médicos, lembrando que foi o CHUA que "pediu a intervenção da Ordem dos Médicos".
Horácio Guerreiro frisou que não sabe "exactamente o que é que está subjacente, se é uma situação de prática clínica, se foi encontrada alguma prática menos correcta", mas adiantou que "houve uma situação de acesso e de divulgação de dados pessoais", podendo ter resultado deste facto a "atitude" da OM.
Segundo a Rádio Renascença, os cirurgiões suspensos tencionam apresentar uma providência cautelar para anular os efeitos da decisão, que consideram desprovida de sentido e sem fundamentação.
Notícia actualizada com declarações do director clínico do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve