Elisa Ferreira defende desenvolvimento sustentado no reequilíbrio territorial
No primeiro evento de comemoração dos 70 anos da FEP, a comissária europeia exortou a faculdade a contribuir para o debate sobre o futuro do país.
“É importante que um plano de desenvolvimento assuma o reequilíbrio territorial como um objectivo central”. Esta é a visão da Comissária Europeia da Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, defendida na conferência inaugural das comemorações dos 70 anos da FEP - Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Na óptica da ex-ministra do Planeamento, um certo grau de desconcentração e de descentralização permite um diagnóstico mais capaz, o aumento da eficácia e a mobilização dos actores locais e regionais em torno de uma agenda consensualizada.
“A competitividade portuguesa e a coesão europeia” foi o tema subjacente à intervenção de Elisa Ferreira, ex-aluna e docente da FEP. Com moderação do jornalista Manuel Carvalho, do Público, começou por traçar o quadro geo-político e geo-económico global, marcado por uma sucessão de crises, da Covid-19 à invasão da Ucrânia, da crise energética à dinâmica inflaccionista. Um contexto a que União Europeia (UE) reagiu “de forma muito positiva”, graças à política de coesão, que permitiu a alteração das regras dos fundos europeus, para financiar as situações de emergência, com um total de 23 mil milhões de euros. Acresce que ao Conselho e ao Parlamento “foram levados mecanismos para que estas crises sucessivas não estoirassem com a economia europeia”. E, em resultado, em 2022 e nos primeiros meses de 2023, “já se sentia uma forte recuperação na economia”, com taxas de crescimento de 3,5% e uma “baixíssima taxa de desemprego”, de 6%.
Neste cenário de poli-crise, “todos os actores se começam a reposicionar e a União Europeia também”, com uma “consciencialização, talvez um pouco tardia, mas, até por isso, particularmente importante, relativamente aos riscos associados a uma presença no mercado global que era um pouco neutra, parecia que não havia estratégia”. A Europa – defendeu– tem de ser um espaço aberto, mas não gerar laços de dependência externa em sectores-chave da economia, pois isso implica “uma fragilidade estratégica enorme”. Esta necessidade de reposicionamento levou a Comissão Europeia a tomar medidas em coordenação com os Estados-membros, de que são exemplo as directrizes que possibilitaram que, em menos de um ano, a dependência europeia tenha sido reduzida a “um valor quase insignificante”.
“Foi uma coordenação que se revelou extraordinariamente eficaz e o sinal mais visível da mudança de lógica na União Europeia”, advogou, para logo de seguida deixar uma interrogação: “E, neste contexto global, há espaço ou não para preocupações com a coesão e desenvolvimento regional?”. Respondendo, lembrou que as transformações são globais, mas têm um impacto muito local: “A economia é feita de pessoas e de locais e mesmo a economia digital não acontece no vazio. As diferenças entre as várias regiões importam, em termos das suas vantagens e vulnerabilidades comparativas.”
Corrigir as falhas do mercado
E o território não é menos relevante: “As dinâmicas mais fortes ocorrem no centro geográfico da Europa. Alguns argumentariam que bastaria a livre circulação – de trabalho, de capital e de mercadorias – para que, a prazo, essas dinâmicas fossem repartidas. Mas, a realidade prova o oposto, porque o mercado não é de concorrência perfeita.” Assim, as assimetrias espaciais, em vez de se corrigirem, tendem a agravar-se, o que conduziu a uma outra interrogação: “Vale a pena ou não haver políticas públicas que corrijam as falhas do mercado?”. No seu entender, sim, porque, “em termos económicos, nenhum país ou a própria UE pode dar-se ao luxo de abdicar da contribuição para a riqueza colectiva de partes substanciais da sua população e dos seus territórios”. Ademais, “há uma dimensão crítica a partir da qual as economias de aglomeração se transformam em deseconomias de aglomeração”.
A propósito, Elisa Ferreira deixou um alerta: “Quando falamos de recursos sub-utilizados ou abandonados, estamos a falar de jovens qualificados forçados a emigrar, de pequenos empresários cujo capital físico e humano é menos móvel, de serviços públicos que vão fechando e de esvaziamento das regiões, que se transformam em fontes de custo. E há estudos que comprovam a co-relação entre a estagnação ou declínio de uma região e o crescimento de forças extremistas.” Por isso, rematou, por razões económicas, sociais e políticas, justifica-se desenvolver estratégias públicas que corrijam as tendências naturais do mercado, de modo a reequilibrar o desenvolvimento territorial.
Na UE, “esta consciência é tão clara que deu origem a uma das suas políticas mais fortes”, a política de coesão, a que está alocado 30% do orçamento europeu. E, sempre que houve opções como o aprofundamento do mercado interno ou o alargamento, foram acompanhadas do reforço dos instrumentos de coesão, “porque se percebe que essas opções agudizam as tensões territoriais”. Esta política não assenta num conceito de generosidade altruísta ou de subvenção, “é, sobretudo, uma opção economicamente racional numa área em que as falhas do mercado são evidentes e graves nas suas consequências”.
A responsabilidade que vem com os fundos
Sobre Portugal, deixou a nota de que vive actualmente um “momento de charneira”. Nos próximos sete anos, vai receber mais de 45 mil milhões de euros de subvenções, verba que deve “estimular um desenvolvimento robusto, mas também um desenvolvimento equilibrado”. Considerando que os fundos dão oportunidade, mas também uma responsabilidade enorme, partilhou o que considera serem os vectores essenciais da agenda: reconhecimento das tendências internacionais e europeias; estabelecimento ou robustecimento da participação em redes internacionais; identificação clara daquilo com que cada região ou sub-região pode contribuir; busca de sinergias e parcerias, nomeadamente com instituições científicas e tecnológicas que possam acrescentar valor.
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