Zé Ibarra em Portugal: “Devo estar à disposição da música, não de mim”
Membro dos brasileiros Banda Dônica e Bala Desejo, Zé Ibarra lança o seu primeiro álbum a solo com seis concertos em Portugal, a começar esta quarta-feira, em Ovar.
Costuma dizer-se que alguma coisa é de “vão de escada” quando não tem qualidade ou pretende ser algo que na verdade não é. Ora o cantor brasileiro Zé Ibarra deu a volta ao termo e gravou um disco num vão de escada que tem uma qualidade sonora notável. Chama-se Marquês 256, é o seu primeiro álbum a solo e vem juntar-se às muitas canções a que ele já emprestou a voz, quer nos grupos Banda Dônica e Bala Desejo, quer ao cantar em duetos com grandes nomes da música do Brasil como Ney Matogrosso, Gal Costa (1945-2022) ou Milton Nascimento, cantor que Zé Ibarra acompanhou nas tournées Clube da Esquina, em 2019, e A Última Sessão de Música, em 2022.
O disco Marquês 256 vai ser apresentado ao vivo em Portugal em seis concertos, a começar já esta quarta-feira em Ovar, na Escola das Artes e Ofícios. Seguir-se-ão Coimbra (dia 8, Salão Brazil), Castelo Branco (dia 10, Cineteatro Avenida), Lisboa (dia 15, B.Leza), Ílhavo (dia 17, Festival Rádio Faneca) e Porto (dia 18, Novo Salão Ático, no Coliseu Ageas). Os dois primeiros concertos desta digressão serão a solo (voz e violão ou piano) e os restantes serão com banda, juntamente com dois músicos dos Bala Desejo: Thomas Harres na bateria e João Moreira no baixo.
Nascido José Vitor Ibarra Ramos, no Rio de Janeiro, em 20 de Dezembro de 1996 (filho de uma produtora de eventos chilena e de um fotógrafo nascido da Bahia), Zé Ibarra ligou-se desde muito cedo à música, começando aos 6 anos pela bateria e passando depois ao violão e ao piano. Em 2015, fundou a Banda Dônica com Lucas Nunes, Tom Veloso, André Almeida e Rodrigo Parcias; e em 2021 os Bala Desejo, com Julia Mestre, Dora Morelenbaum e Lucas Nunes.
Parte dessa sua vivência está intimamente associada ao disco que agora lança, como Zé Ibarra explica ao PÚBLICO: “Esse disco surgiu antes mesmo de ser um disco. Porque eu morei durante muitos anos com a minha avó, num edifício do Rio de Janeiro, que por acaso tem um corredor, uma escadaria, com um som maravilhoso, uma acústica muito boa, para tocar e para cantar. E, de uma forma que não sei como, desde os quatro anos de idade eu já sabia disso: ia para o corredor para ficar batucando. Depois aprendi violão, piano, e levava para lá os instrumentos, para testar os sons, porque já sentia que era mais bonito tocar ali do que em qualquer outro lugar. Tendo aquilo, comecei a cantar muito, passei a adolescência inteira cantando sem parar.”
O disco inclui versões de Olho d’água (Caetano Veloso e Wally Salomão) e San Vicente (esta de Fernando Brant e Milton Nascimento), a par de composições de Paulo Diniz (Vou-me embora), Sophia Chablau (Hello), Guilherme Lamounier (Vai atrás da vida que ela te espera), do próprio Zé Ibarra (Itamonte) e parceria de Lucas Nunes com Tom Veloso e Zé Ibarra (Como eu queria voltar) ou de Dora Morelenbaum com Tom Veloso (Dó a dó). “Foi tudo gravado na escada, tudo ao vivo e algumas músicas foram ao primeiro take”, recorda Zé Ibarra. “Foi um momento quase espiritual, gravámos num dia. Chamei o Lucas, do Bala Desejo, que me ajudou com o som e pronto, gravei. Escolhi músicas que tivessem a ver com a minha trajectória, porque vou fazer um disco de estúdio daqui a pouco, e não quis entregar todas as minhas músicas.” Esse novo disco, esclarece Zé Ibarra, deverá ser gravado ainda este ano, mas só será editado em 2024.
O título Marquês 256 refere-se ao endereço: “Compus muitas músicas ali e em algum momento pensei que devia gravar um disco ali. Nunca vi alguém fazer um disco gravado numa escada, mas o som é muito bonito. É uma ideia maluca? É. Mas porque não? Marquês 256 [no Brasil, diz-se “marquês dois cinco meia”] é por conta do endereço, Rua Marquês de São Vicente, 256.”
O facto de este disco ser composto na sua quase totalidade por canções alheias deve-se ainda a outra razão, diz ele: “Acho que tenho muito mais a contribuir, sendo, além de compositor, intérprete. Porque tenho uma geração junto comigo que é uma geração maravilhosa, com tanta gente boa, e quero poder fazer da minha voz também um instrumento para que isso seja notado. Então Hello é uma música de uma amiga minha, lá de São Paulo, Sophia Chablau, e Dó a dó é uma pérola do Tom e da Dora. Cada vez mais entendo que devo estar à disposição da música, não de mim. E por isso posso me atrever a fazer essas versões e pretendo continuar assim a vida inteira: compondo, fazendo os meus discos, e entremeando com peças que contribuam para aquele todo.”