Alimentos em mau estado afectam uma em cada dez pessoas e causam mais de 200 doenças

Segundo as Nações Unidas, 870 milhões de pessoas passam fome no mundo, onde um terço dos alimentos produzidos é desperdiçado. Na Europa desperdiçam-se 88 milhões de toneladas de alimentos por ano.

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Na Europa desperdiçam-se em cada ano 88 milhões de toneladas de alimentos GettyImages

Uma em cada dez pessoas do mundo adoece todos os anos por consumir alimentos contaminados, que são responsáveis por mais de 200 doenças, indicam dados da ONU. Por ocasião do Dia Mundial da Segurança Alimentar, que se assinala esta quarta-feira, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) lançou um guia sobre segurança alimentar, promovendo boas práticas e alertando que a comida insegura mata.

Promovida, além da FAO, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a efeméride tem este ano o tema Normas alimentares salvam vidas e destina-se a inspirar acções que permitam prevenir, detectar e gerir riscos de origem alimentar, contribuindo para a segurança alimentar, a saúde, o crescimento económico e o desenvolvimento sustentável. Segundo o documento da ONU, “as crianças com menos de cinco anos representam nove por cento da população, mas têm 40% da carga de doenças transmitidas por alimentos”.

Mas como saber se a comida que consumimos é segura? O guia da ONU responde: “Provavelmente lavou as mãos, limpou os utensílios de cozinha e cozinhou os alimentos à temperatura correcta, tudo boas práticas de segurança alimentar. Provavelmente já leu os rótulos das embalagens dos alimentos para ver que ingredientes o produto contém ou como cozinhá-lo. E, talvez sem se aperceber, confiou em todas as pessoas envolvidas no cultivo, transformação, embalagem, distribuição e preparação dos alimentos de forma correcta para que possa saboreá-los sem ficar doente. A sua comida era segura e a sua confiança justificada porque as pessoas envolvidas no fabrico dos seus alimentos — quer perto da sua casa, quer no outro lado do mundo — seguiram práticas de segurança alimentar estabelecidas, que estão disponíveis de forma transparente sob a forma de normas. Por outras palavras, as normas alimentares constituem a base da confiança para todos nós.”

A Comissão do Codex Alimentarius tem vindo a estabelecer normas alimentares internacionais há 60 anos. Este código de conduta da ONU e da OMS incluía em Fevereiro deste ano 236 normas, 84 directrizes, 56 códigos de prática, 126 níveis máximos de contaminantes nos alimentos e mais de 10 mil normas quantitativas que abrangem níveis máximos de aditivos alimentares e limites máximos de resíduos de pesticidas e medicamentos veterinários nos alimentos.

O manual divulgado esta quarta-feira lembra ainda que “os micróbios resistentes aos antimicrobianos podem ser transmitidos através da cadeia alimentar através do contacto directo entre animais e humanos ou através do ambiente”. “Todos os anos, cerca de 5 milhões de pessoas morrem em todo o mundo devido a infecções por micróbios resistentes aos antimicrobianos”, assinalam, acrescentando que “a contaminação microbiana, química ou física dos alimentos pode ser reduzida ou minimizada através da prática de normas de segurança alimentar”.

Os benefícios de uma alimentação segura são óbvios. “Os alimentos seguros e nutritivos beneficiam o crescimento e o desenvolvimento das crianças e o desenvolvimento das crianças, melhorando o potencial intelectual e físico, bem como o desempenho escolar e produtividade no trabalho na vida adulta.” Por fim, a ONU e a OMS lembra que a segurança dos alimentos pode ser afectada por vários factores, da saúde dos animais ao ambiente em que os produtos alimentares são produzidos. “A adopção de uma abordagem holística da segurança dos alimentos permitirá um melhor sistema de segurança alimentar.

O Dia Mundial da Segurança Alimentar visa chamar a atenção e inspirar acções para ajudar a prevenir, detectar e gerir os riscos alimentares. A ONU estima que morram anualmente 600 milhões de pessoas por consumirem alimentos não-seguros.

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Andrey Popov

Combater o desperdício em Portugal

A propósito deste dia, a Lusa falou com duas organizações que contribuem para a segurança alimentar e lutam contra o desperdício, numa altura em que, segundo as Nações Unidas, 870 milhões de pessoas passam fome no mundo, onde um terço dos alimentos produzidos é desperdiçado. Na Europa desperdiçam-se, em cada ano, 88 milhões de toneladas de alimentos. Números de 2020 mostram que Portugal está acima da média. No quarto país da UE onde mais se deita comida fora, cada português desperdiça, em média, quase 184 quilogramas de alimentos por ano.

Para salvar alimentos do desperdício a empresa Too Good To Go (criada na Dinamarca em 2016, depois de um grupo de amigos ver ser deitada fora toda a comida que não tinha sido consumida num restaurante) faz, através de uma aplicação, a ligação entre consumidores e restaurantes, supermercados, mercearias e hotéis, permitindo aos utilizadores comprar, a preços mais baixos, produtos que não iam ser usados.

Mariana Banazol, directora de marketing da empresa para a Península Ibérica, disse à lusa que a empresa está em Portugal desde Outubro de 2019, tendo já a adesão de 1,5 milhões de utilizadores e de mais de 3700 estabelecimentos. A Too Good To Go está hoje em 17 países, com mais de 80 milhões de utilizadores e 134.000 parceiros.

Em todos, a ideia é a mesma: o estabelecimento ganha porque evita o desperdício alimentar e reduz perdas económicas, o consumidor ganha porque compra mais barato, e o planeta ganha porque se evitam impactos ambientais. Porque, lembra, “o desperdício alimentar é responsável por 10% das emissões de gases com efeito de estufa.

Até hoje, a empresa já evitou, a nível global, que 200 milhões de caixas de produtos fossem parar ao lixo, o equivalente a 500.000 toneladas de dióxido de carbono (CO2). “Tem um impacto ambiental equivalente a 100 mil bilhetes de avião à volta do mundo ou a um duche quente e contínuo durante mais de 2400 anos”, diz a responsável.

Em Portugal, a Too Good to Go já recuperou mais de 2,9 milhões de caixas, evitando o desperdício de mais de 2900 toneladas de alimentos.

Frisando que o objectivo da empresa é “conseguir um planeta sem desperdício alimentar”, Maria Banazol diz querer mais lojas e utilizadores a juntar-se à causa. E lembra o projecto da empresa chamado Observar, Cheirar, Provar, de sensibilização e informação sobre datas de validade, já que a confusão sobre elas é responsável, diz, por 10% do desperdício alimentar na Europa.

Outra aplicação com o mesmo objectivo, esta nascida em França há uma década, é a Phenix. Em Portugal há sete anos, baseia-se também numa aplicação que faz a ligação entre as empresas e os consumidores. Supermercados ou restaurantes, frutarias, padarias ou talhos, floristas ou peixarias, vendem cabazes de produtos em fim de vida a preços mais baixos.

“Dão uma última oportunidade aos produtos, mas também estão a divulgar o seu negócio”, disse à Lusa Carlos Hipólito, o responsável em Portugal da empresa, explicando que o cliente, ao ir buscar o cabaz que comprou, acaba por conhecer a loja em questão.

Além de apoiar as grandes empresas de retalho, por exemplo, com ferramentas para controlar a validade dos produtos, a Phenix trabalha com essas empresas e com instituições. São actualmente mais de 1300, segundo o responsável, que recebem produtos gratuitamente, tendo as empresas, com isso, benefícios fiscais.

São instituições de todo o país que usufruem de produtos que depois, por exemplo, distribuem por famílias carenciadas. E quando esses produtos já não podem ser doados para humanos, a Phenix também tornou possível, consoante os casos, o aproveitamento para animais.

Esta ligação entre grandes empresas e instituições é hoje o grosso do trabalho da Phenix. Carlos Hipólito lamenta que outros países não permitam, como Portugal, benefícios fiscais nestas doações. A Phenix e os parceiros, assinala, apoiaram no ano passado mais de 100 mil famílias (através das instituições) e foram doados bens equivalentes a 30 milhões de euros. “Falamos de nove mil toneladas de alimentos doados, falamos de mais de 18 milhões de refeições, falamos de 63 mil toneladas de CO2 evitadas”, diz.