Um “quase excepcional ‘rio atmosférico’” chega à Madeira e segue mais fraco para o continente
Não é muito frequente que apareça um “rio atmosférico” nesta altura do ano em Portugal. Períodos de chuva associados a esse fenómeno serão menos intensos em Portugal continental do que na Madeira.
Um “rio atmosférico” vai afectar o arquipélago da Madeira entre o final da tarde desta segunda-feira e o início da tarde de terça-feira. Espera-se uma precipitação persistente e, por vezes, forte no arquipélago. O fenómeno chega depois a Portugal continental a partir do final de terça-feira, mas já mais fraco. Embora se preveja alguma precipitação, não deverá ser muito intensa. Há ainda algo a destacar: não é muito frequente que apareça um “rio atmosférico” nesta altura do ano na região de Portugal. Vejamos, agora, mais em pormenor, que “rio atmosférico” é este e o que nos trará.
O que é um “rio atmosférico”?
É um fenómeno meteorológico em que há um transporte de humidade numa faixa relativamente estreita. Esse transporte de humidade é feito desde as latitudes mais baixas até às mais elevadas. “Rio atmosférico” é o nome metafórico para esse fenómeno.
“O ‘rio atmosférico’ é um corredor de massa de ar [normalmente de origem tropical] com conteúdo em vapor de água muito elevado”, explica ao PÚBLICO Jorge Ponte, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). “Se houver forçamento [ou seja, condições para haver movimentos verticais na atmosfera] para essa água cair, pode haver precipitações muito elevadas. Se não houver forçamento, pode nem ter precipitações muito elevadas.”
O que se prevê que aconteça na Madeira?
Um “rio atmosférico” vai afectar o arquipélago a partir do final da tarde desta segunda-feira até ao início da tarde de terça-feira. Logo a partir da tarde desta segunda-feira prevê-se que haja precipitação persistente e, por vezes, forte durante várias horas, sobretudo nas regiões montanhosas e na costa sul.
Já foram emitidos avisos com um nível máximo de vermelho para precipitação – para as terras altas e vertentes sul – entre as 15h de segunda-feira e as 15h de terça-feira, bem como um nível amarelo para o vento, de acordo com um comunicado do IPMA. O vento deverá ser intenso, com rajadas até 90 quilómetros por hora na costa sul e até 110 quilómetros por hora nas terras altas.
“É uma situação que exige um cuidado especial, até pelo historial na Madeira neste tipo de situações. A situação tenderá a melhorar a partir da tarde de amanhã [terça-feira]”, frisa Jorge Ponte.
E em Portugal continental?
O “rio atmosférico” deverá chegar a Portugal continental a partir do final do dia de terça-feira. “No entanto, as precipitações no continente não são nada comparáveis ao que está previsto para a Madeira”, diz Jorge Ponte. “Esperamos períodos de chuva associados a esse ‘rio atmosférico’, mas com menos intensidade do que na Madeira.”
Ainda para a tarde desta segunda-feira, o meteorologista indica que se esperam alguns aguaceiros acompanhados de trovoada sobretudo para o interior norte e centro e talvez no Alto Alentejo. A partir de terça-feira, este padrão deverá mudar com a chegada do “rio atmosférico”, com “períodos de chuva mais ou menos generalizados em todo o território”, prevê Jorge Ponte. “Esperamos um pouco mais de chuva no Norte e centro e que isto se prolongue para quarta-feira.” Passa-se assim de um regime de aguaceiros, por vezes fortes, com granizo e trovoada, para um regime diferente, com períodos de chuva mais prolongados no tempo, mas não tão intensa. A precipitação deverá ser fraca a moderada em Portugal continental.
Neste momento, para a região sul do país prevê-se precipitação, em geral, fraca.
Quanto à temperatura, espera-se que haja uma subida antes da chegada do “rio atmosférico”. “Amanhã [terça-feira] as temperaturas vão estar acima da média na generalidade do território”, adianta Jorge Ponte. Com a chegada da massa de ar, sobretudo devido à nebulosidade e por não haver assim tanta radiação solar, a temperatura máxima vai descer a partir de quarta-feira e depois mantém os valores nos dias seguintes.
Porque fica o “rio atmosférico” mais fraco da Madeira para o continente?
À medida que o fenómeno vai viajando da Madeira para Portugal continental, vai perdendo algum conteúdo em vapor de água e tornando-se assim mais fraco. Portanto, quando chega a Portugal continental, o “rio atmosférico” já tem menos conteúdo em vapor de água.
Há ainda uma razão para ser mais forte na Madeira: a própria orografia. Quando esta massa de ar chega ao arquipélago, encontra regiões montanhosas e tem tendência para subir. Quando sobe, arrefece, o vapor de água condensa-se e começa a chover.
É frequente um “rio atmosférico” nesta altura do ano?
Não. “Não é de todo muito frequente haver um ‘rio atmosférico’ com esta intensidade nesta época do ano”, reforça Jorge Ponte. O padrão deste “rio atmosférico” é mais típico no Outono, nomeadamente em Outubro ou Novembro.
A formação de um “rio atmosférico”ocorre em zonas tropicais e muito húmidas, nomeadamente na superfície do oceano dessas zonas, onde há muita evaporação devido à radiação solar. “É injectado muito vapor de água na atmosfera nessas regiões”, esclarece o meteorologista. Devido à circulação atmosférica, essas massas de ar podem ser transportadas de latitudes mais elevadas para as latitudes médias, o que gera esses corredores de massa de ar muito húmidos.
Os “rios atmosféricos” são assim relativamente frequentes nas latitudes médias (onde se inclui Portugal), mas é bem mais frequente que isso aconteça noutra altura do ano. “Esta é, de facto, uma situação quase excepcional para esta altura do ano”, salienta.
O que causou este “rio atmosférico”?
Jorge Ponte diz que, por vezes, é normal que ocorram “situações anómalas” na meteorologia. Neste momento, as razões que consegue dar para a ocorrência deste “rio atmosférico” estão relacionadas com a circulação atmosférica.
Normalmente, nesta altura do ano, há um anticiclone estacionado na região dos Açores, o que não deixa que os “rios atmosféricos” passem para a Madeira e Portugal continental. Este ano, como o anticiclone não está presente nessa região, o “rio atmosférico” vai chegar à Madeira e depois ao continente. Neste momento, o anticiclone está no Norte da Europa e há uma região depressionária entre o Norte do continente e o Mediterrâneo. Uma região depressionária engloba áreas de baixas pressões, que favorecem movimentos verticais ascendentes, causando precipitação. “A circulação atmosférica está em sintonia com o anticiclone muito persistente no Norte da Europa”, resume o meteorologista.
Poderá existir uma relação com as alterações climáticas?
Pelo menos por enquanto, não é possível fazer essa associação. “É uma situação muito pouco frequente para esta altura do ano, mas estar a associar apenas um episódio a alterações climáticas é muito prematuro”, ressalva Jorge Ponte. Para se perceber melhor se há uma relação ou não, teria de ser feito um estudo dos últimos 30 ou 50 anos, para se entender se “rios atmosféricos” com este padrão se estão a tornar mais frequentes devido a alterações climáticas e por que razão.
Também está a chegar a Portugal a depressão Óscar. Qual a relação entre essa depressão e o “rio atmosférico”?
É a depressão Óscar que transporta o “rio atmosférico”. Devido à sua circulação, leva essa massa de ar no seu flanco sul. “O ‘rio atmosférico’ não é formado pela depressão propriamente em si, mas a depressão ajuda a transportar essa massa de ar”, esclarece Jorge Ponte.
A depressão Óscar e o “rio atmosférico” são, portanto, fenómenos distintos. Neste momento, a depressão Óscar está a sul dos Açores e a aproximar-se da Madeira. Nos dias seguintes, aproximar-se-á do continente. Com a depressão, virá já o “rio atmosférico”. Além disso, trará linhas de instabilidade ligadas à própria depressão, que estarão associadas à ocorrência de precipitação e trovoada. Em Portugal continental, espera-se que a depressão tenha mais influência na quinta-feira.
O nome da depressão – Óscar – foi atribuído pela AEMet, a agência estatal de meteorologia de Espanha.
E o que acontecerá nos Açores?
O arquipélago dos Açores não será afectado pelo “rio atmosférico”, que passará a sul das ilhas açorianas. Os Açores serão apenas afectados pela depressão e pode haver precipitação a partir desta terça-feira.