Lítio em Boticas: “Esses gajos, grandalhões, acham que o dinheiro compra tudo”
Há quem acredite que o projecto de exploração de lítio em Covas do Barroso vai gerar emprego e recuperar habitantes. Mas são muitos mais os que apontam os efeitos negativos.
São 18 os quilómetros que separam o centro do município de Boticas da freguesia de Covas do Barroso, localidade para onde está previsto o projecto de exploração de lítio na mina do Barroso e para o qual a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) emitiu uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada. Mas enquanto na aldeia de Covas as vozes são unânimes quanto aos efeitos negativos da extracção, em Boticas há quem acredite que o projecto vai dinamizar o concelho de 5000 habitantes.
“A vila está parada, não há gente, o pessoal com estudos sai todo para Braga ou para o Porto”, comenta Agostinho Monteiro, um antigo emigrante em França que regressou a casa há cinco meses e para quem o investimento prometido pela Savannah Resources Plc, empresa responsável pelo projecto, vai “trazer mais movimento” à vila.
A manhã deste sábado, pelo menos, comprova a ideia de Agostinho: há poucos estabelecimentos abertos e avistam-se poucas pessoas nas ruas da vila. “À semana há mais coisas abertas, as pessoas vêm para aqui trabalhar, mas ao fim-de-semana vai tudo para as aldeias descansar”, explica-nos Sofia Rodrigues, proprietária de uma loja de roupa.
Percorrendo Boticas, transparece a ideia de um território despovoado e é verdade que o concelho tem apenas 5000 pessoas. Mas estão distribuídas por mais de 300 quilómetros quadrados de área. Todos conhecem bem o centro da vila, mas poucos têm contacto com o restante território. É por isso que apesar de o projecto do lítio ter transportado Boticas para o protagonismo noticioso, há quem no concelho desconheça pormenores do projecto.
É o caso de Sofia, que só vai conhecendo novidades sobre o projecto através daquilo que os clientes lhe vão contando. Mas os testemunhos avulsos são suficientes para a comerciante de 35 anos considerar que o projecto vai ter “um impacto muito negativo”. “É a poluição, a qualidade da água, a saúde. Tudo isso vai sair prejudicado”.
A extracção de lítio na mina do Barroso vai, considera, descaracterizar a vivência de quem ali reside. “Nós aqui, em Trás-os-Montes, somos conhecidos por viver num ar puro, e se isso do lítio for para a frente vamos acabar por viver num ar poluído”, vaticina Sofia.
O projecto de ampliação da mina do Barroso quer explorar à superfície o minério com lítio numa área de 70,6 hectares ao longo de uma concessão de 593 hectares. O plano de 17 anos, 12 dos quais de exploração, prevê a extracção de 1,45 milhões de toneladas por ano de pegmatito litinífero, um tipo de granito com cristais grandes de onde se pode produzir lítio usado nas baterias eléctricas. Tudo num território que conta com o selo de Património Agrícola Mundial (PAM) atribuído pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Valdemar Loureiro, de 60 anos, é de Covas, mas este sábado deu um pulo ao centro da vila para cortar o cabelo. Na aldeia que receberá o projecto do lítio, tem lá uma vacaria e estava a pensar aumentá-la, como forma de herança para os filhos. “Se o lítio for para lá, não vale a pena… aquilo vai afectar a água, vai haver poeira, barulhos de máquinas. Quem é que quer ir para ali?” questiona.
Em Covas, todos estão contra a exploração
Em Covas do Barroso, população com 191 habitantes, este fim-de-semana está reservado para as festas da aldeia. No epicentro da localidade, no largo do cruzeiro, a capela está iluminada, há um palco pronto a ser usado e a cerveja já vai saindo a rodos. Mas em todo o lado há referências à luta que perdura no território desde 2017: “Não à mina, sim à vida”; “Máfia do lítio”; e “A tua água, a tua terra, a tua vida, diz não à mina”, pode ler-se nalguns dos cartazes afixados.
Nélson Gomes e Catarina Alves, da associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB), criada em 2018, são duas das principais caras na luta contra o projecto. A emissão da DIA favorável ao projecto por parte da APA esta semana não “surpreendeu ninguém”, mas o próximo passo dado pela população ainda está por alinhar. Certo é que o acesso aos terrenos baldios – propriedade da comunidade local – continuará vedado a quaisquer elementos da empresa Savannah.
“Vamos lutar pelos nossos direitos, não somos menos que ninguém. Gerimos este território de forma sustentável durante tantas gerações e de repente destrói-se tudo?”, questiona Catarina, para quem o reconhecimento da APA de que a extracção colocará em causa o selo PAM vai travar os intentos do projecto. “O PAM não é só um selo, representa o modo como as pessoas se relacionam com o meio, e o que a APA diz é que este projecto é incompatível com o modo de vida das pessoas”, sublinha.
Na entrevista ao PÚBLICO deste sábado, o presidente da APA, Nuno Lacasta, garantiu que houve “envolvimento por parte da empresa junto das populações”, mas tanto Nélson como Catarina garantem que não houve qualquer contacto. Também a promessa do responsável da APA de que a população será compensada monetariamente não colhe junto dos responsáveis. “As pessoas querem é o seu espaço e o seu trabalho”, diz Nélson. “Essas compensações são o mesmo que dizer: vamos cortar-vos um membro, mas têm aqui os melhores médicos!”, exclama Catarina.
Além das compensações, a DIA favorável condicionada impõe a interdição da captação de água do rio Covas e um acesso à auto-estrada 24 e a alocação dos royalties ao município de Boticas.
“Acham que o dinheiro compra tudo”
João Domingues, agricultor de 56 anos, tem um olival junto a uma das áreas que serão abrangidas pela extracção do lítio. “Não me vai afectar muito porque aquilo é pequeno, mas este projecto vai desviar cursos de água, vai desmatar, vai tornar isto um autêntico inferno”, resume.
O habitante teme que a exploração termine com “um modo especial de vida”, tudo por “causa do dinheiro”. “Esses gajos, grandalhões, acham que o dinheiro compra tudo – e para alguns compra. Só não compra a nossa maneira de viver.”
Num comunicado enviado ao PÚBLICO, a Savannah “congratula-se com esta decisão, considerando-a muito positiva para o desenvolvimento do seu projecto”, enaltecendo que “esta é a primeira vez que um projecto de lítio em Portugal tem uma DIA favorável”.
A empresa explica que, após a emissão de DIA favorável, “o processo de licenciamento ambiental do projecto vai continuar e a Savannah espera apresentar à APA, dentro de nove a 12 meses, o Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução (RECAPE), que incluirá os planos finais para o Projecto com todas as condições da DIA, juntamente com as medidas e planos de monitorização ambiental a implementar durante as fases de construção e operação, de forma a cumprir todos os critérios estabelecidos pela DIA”.