Toneladas de roupa usada e doada acabam vendidas em mercados africanos, mas quase metade é lixo que termina em lixeiras ou no mar, libertando os produtores de países ricos dos seus resíduos e ameaçando o ambiente destes Estados pobres.
Isabel Abreu é uma engenheira do ambiente portuguesa, nascida em Moçambique, que actualmente está no Gana a participar numa expedição científica no Lago Volta para estudar os efeitos dos plásticos das roupas usadas que vão parar à água.
Em entrevista à agência Lusa, a activista explica que até chegar às águas do Gana -- mas também a outros países como o Quénia ou a Nigéria -- estas roupas percorrem um longo caminho, que começa ao serem adquiridas em países ricos, como os Estados Unidos e nos países europeus.
Usadas, as roupas são depois doadas a organizações que promovem a sua oferta a países pobres. As de melhor qualidade são vendidas em lojas nos países onde são recolhidas, mas as que não estão em boas condições são importadas por países pobres, acabando em mercados de roupa usada, como o de Kantamanto, no centro da capital ganesa Acra, o maior mercado de roupa em segunda mão do mundo.
A maioria dos compradores adquire as roupas em pacotes sem conhecer o seu conteúdo e reza "para que estejam em boas condições", relatou. "Às vezes é só um gasto sem qualquer tipo de lucro", disse.
"Há pessoas que compram cá [Gana] para depois abrirem os pacotes e verem o que pode ser utilizado. Acontece que 40% não é utilizado, mas mesmo assim compram porque 60% é utilizado e sempre é mais barato do que roupa nova", adiantou, indicando que a importação desta roupa barata deitou abaixo a indústria têxtil em África, que já foi bastante activa.
Trata-se, na opinião de Isabel Abreu, de uma faceta do "colonialismo ambiental", um termo usado há 20 anos para a exploração das condições ambientais dos países menos desenvolvidos. "O termo está a ser mais aplicado em relação aos resíduos usados do mundo desenvolvido para estes países com menos capacidade de lidar com este género de resíduos, que vêm disfarçados de produtos em segunda mão, com a finalidade de serem usados como caridade, como algo que esses países ainda possam usar", explicou.
Para Isabel Abreu, o problema é criado pelas grandes marcas de roupa e de produtos electrónicos que não tratam como deviam os seus resíduos, nem investem numa verdadeira reciclagem.
"Muitas das campanhas das grandes marcas de roupa, que colocam um contentor para doação de roupas usadas, em troca de um vale para descontar na própria marca, são campanhas de marketing que nos fazem sentir a nós, consumidores, um bocadinho melhor com a nossa consciência", referiu.
Essas empresas, prosseguiu, livram-se dessa responsabilidade e ainda ficam com "uma boa imagem", quando na verdade estão a encaminhar roupa, que não pode ser reciclada, para países que não têm capacidade para lidar com estas quantidades.
Isabel Abreu colabora actualmente com a Fundação Or, uma organização que tem como missão "identificar e manifestar alternativas ao modelo dominante da moda que tragam prosperidade ecológica, em oposição à destruição, e que inspirem os cidadãos a formar uma relação com a moda que se estenda para além do seu papel de consumidor".
De acordo com esta fundação, a população que vive dependente do mercado de Kantamanto gasta anualmente 325 milhões de dólares (cerca de 302 milhões de euros) em fardos de vestuário em segunda mão, dos quais 182 milhões de dólares (cerca de 168,5 milhões de euros) foram pagos a exportadores dos países ricos.