São paisagens que não existem, ainda que pareçam vagamente familiares. Um rio Tamisa sem água, transformado num cemitério de navios, uma Gronelândia cada vez mais verde, uma nuvem que se desfaz em chuva num terreno árido. São imagens criadas através de inteligência artificial que têm como finalidade “colocar novas questões” sobre o futuro num clima em mudança, conta-nos o arquitecto Tomás Reis. A sua exposição pode ser visitada até 4 de Junho, na Sala Azul do Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa (MUHNAC).
A ideia surgiu da incerteza. “Esta inquietação tem a ver com a dificuldade de imaginar o futuro e uma certa ansiedade climática latente, de observação das mudanças que temos tido no território”, começa por nos dizer o arquitecto, guiando-nos pela exposição. A partir das ferramentas que costuma usar enquanto arquitecto, fez “algo especulativo”. A mostra vem saciar essa “necessidade de colocar questões” – sobretudo quando a presença humana se torna, “no mínimo, invasiva”, afectando os espaços em nosso redor de forma cada vez mais notória.
Os antigos mapas militares do Alqueva são dos objectos que “mais presença” têm na sala. A peça é composta por um conjunto de cartas militares daquela região, que corresponde à localização da albufeira do Alqueva antes do enchimento. Aqui, com carvão, foi sombreada a zona correspondente a 50% da capacidade de armazenamento da barragem, fazendo uma equivalência com a quantidade de petróleo consumida na Europa em cerca de três anos.
É uma forma de tentar quantificar os nossos consumos invisíveis e de tornar as estatísticas mais palpáveis. “Estamos rodeados de números, de metas climáticas”, considera Tomás Reis – mas é preciso “contar histórias sensoriais”, defende. Além dos mapas, é ainda possível ver uma carta de alagamento em Salvaterra de Magos – ainda que exagerada, bem para lá dos piores cenários de subida do nível médio do mar.
Na pequena sala, vemos imagens criadas através dos programas Midjourney e Dall.e que revelam o cultivo de vinha num fiorde na Noruega, o derretimento do permafrost e a região a ser substituída por vegetação de latitude mais média. São imagens numa escala ampliada, "quase como os sonhos". A utilização dos programas de inteligência artificial deve ser sempre feita com transparência, acredita Tomás Reis, de 31 anos. Neste caso, são usadas para design especulativo e a sua utilização fica clara na folha de sala.
Mas também há lugar para o desenho à mão. Uma Arca de Noé de uma potencial extinção em massa dos próximos tempos, com os animais a serem transportados em contentores, cadernos de esquissos com ruínas, e até um Borda D’Água rasurado para simular a incerteza agrícola num período de alterações climáticas (e não só).
E qual o papel da arquitectura neste cenário de alterações climáticas? “Através do desenho, pode dar-nos ferramentas para estarmos atentos. O desenho é uma forma de registar a percepção, os sentidos, para onde orientamos o olhar”, analisa Tomás Reis. Por norma, a arquitectura foca-se mais na dimensão de uma casa ou numa escala urbanística, “mas raramente se colocam perguntas à escala regional e planetária”, refere o arquitecto. Esta é uma oportunidade de “participar num debate mais amplo”.
O uso de diferentes ferramentas e formatos visuais não lhe causa estranheza. Pelo contrário: “A distinção entre as formas de expressão é muito ténue”, algo que se nota também agora que os programas de inteligência artificial conseguem transmutar palavras em imagens.
No MUHNAC é possível visitar outras exposições, como Ilustrare – Viagens da Ilustração Científica (fotogaleria abaixo), que estará no museu até ao final do ano, tal como a exposição temporária Variações Naturais - uma viagem pelas paisagens de Portugal, e Paraísos Artificiais (também até 4 de Junho), inspirada no Jardim Botânico Tropical “enquanto local de construção dos imaginários exóticos e tropicais na cultura portuguesa”, conta-nos o artista João Bragança Gil.