A Disney queria que A Pequena Sereia começasse de “forma poética”. E assim foi: uma onda dramática aparece logo depois do genérico do famoso castelo que nos habituamos a ver nos filmes de infância, e antes de um mergulho ao fundo do mar. Essa imagem, esses segundos de um mar revolto, têm assinatura portuguesa.
Nuno Dias, 28 anos, começou a surfar aos dez. A viver em Carcavelos, perto da praia, tornou-se hábito acompanhar o irmão mais velho, também surfista, mesmo nos dias em que “as ondas estavam maiores”. Aqui, naturalmente, ficava na costa a observá-lo — e a fotografá-lo. Aos 14 anos começou a fotografar os campeonatos regionais de surf e bodyboard do Clube Regional da Quinta dos Lombos e a vender, de vez em quando, fotografias para revistas de surf.
Era assim que se começava a alicerçar um passatempo que viria a tornar-se profissão. “Quando acabei o secundário, tirei um curso profissional de multimédia. No final do curso, havia um cheque de 500 euros para o melhor aluno. Não fazia ideia que eu era o melhor aluno. Usei esse dinheiro para comprar um bilhete para o Havai. O meu sonho sempre foi fotografar a pipeline, uma das ondas mais conhecidas e mortíferas que há lá, dentro de água”, conta.
Foi no curso de Audiovisual e Multimédia, na Escola Superior de Comunicação Social, que um professor o incentivou a explorar a área do vídeo. Entre experiências de festivais de música, eventos ou casamentos, percebeu que “era com o mar que sentia uma conexão mais profunda”. E foi por esse caminho que decidiu enveredar.
“Quem está ligado ao mar está sempre a ver as previsões. Organizamos as nossas vidas um bocadinho consoante o mar, se vai haver ondas ou não. Há dias em que o mar está mais calmo, mais bonito, outras em que está mais dramático”, diz. É nestes dias em que gosta mais de o captar: “Quando há tempestades grandes, as cores são diferentes, as formas das ondas são diferentes. Não é tão apelativo ir à praia, mas é nestes dias que gosto mais.”
Por isso, gosta particularmente da Nazaré, onde, aliás, foi gravada a cena do mais recente filme da Disney, que se estreou a 25 de Maio. Foi também aqui que, em 2015, conheceu o bodysurfer (não usa prancha, apenas barbatanas) brasileiro Kalani Lattanzi: “Ele foi a nado desde a Praia da Vila à Praia do Norte, sem qualquer assistência. Eu estava lá, consegui filmar uma onda dele. Conhecemo-nos e, quando em 2016 voltou à Nazaré, ligou-me para irmos filmar. Recolhemos imagens dele — é incrível, uma pessoa a nadar naquelas ondas — e isso despertou a ideia de que devia fazer algo mais desenvolvido com ele”, conta. Nasceu assim o seu primeiro documentário, Kalani, uma produção independente, que se estreou em 2019 no Cinema de São Jorge.
Mas foi a curta-metragem Empties, lançada em 2018, que mereceu a atenção da Disney (e não só). “Nove minutos de ondas a quebrarem, na Nazaré” atraíram a National Geographic, a Aston Martin e, em Agosto de 2021, a Disney. “Recebi um email a dizer que a Disney queria licenciar umas imagens. Depois, em reuniões, disseram que afinal queriam que eu filmasse, e que seria para um filme da Disney, mas não me disseram qual”, relata.
Uns segundos de mar da Nazaré
A partir daí, Nuno teve que fazer “um bocadinho de trabalho de meteorologista”. “Eles confiaram em mim para fazer esse trabalho de pré-produção e avisar quando ia entrar a ondulação ideal. Eles queriam um dia dramático, queriam começar o filme de forma poética e disseram que encontraram essa poesia no Empties e que gostavam que eu conseguisse gravar algo original, mas parecido ao que estava nessa curta.”
Foi no dia 21 de Dezembro — e depois de muitos cuidados por causa da covid-19 —, que a equipa viajou para a Nazaré, para se encontrarem com Nuno e filmarem o plano inicial do filme. Um trabalho que ainda o deixa “incrédulo”, como escreveu no Instagram, e com daqueles com os quais sonhava “desde que começou a dar os primeiros passos” no vídeo. O resultado já pode ser visto nos cinemas, são uns segundos de mar da Nazaré, com o dramatismo requerido e conseguido, depois de meses a olhar para o Windguru.
É mais uma para o currículo de Nuno que também faz parte da equipa da série 100 Foot Wave, disponível na HBO, que conta a história de Garrett McNamara e as ondas gigantes da Nazaré, e já ganhou um Emmy.
Por agora, quer “relaxar”. “Não quero forçar trabalhos, isso às vezes pode ter o efeito oposto”, refere. Mas já tem outro projecto em mente: quer fazer um documentário maior sobre Kalani. De preferência, com direito a parceria com uma distribuidora.