Nuno Lacasta: Mina do Barroso “passa a ser a fasquia” para novas explorações de lítio

Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente assegura que vai haver uma comissão a acompanhar a concretização do projecto de mineração no município de Boticas.

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Nuno Lacasta, preside da Agência Portuguesa do Ambiente Sergio Azenha
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A avaliação positiva que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) deu nesta quarta-feira à ampliação da Mina do Barroso, no município de Boticas, distrito de Vila Real, suscitou várias críticas. O projecto da empresa Savannah Resources Plc, com sede em Londres, que foi desde o início contestado, vai explorar lítio a poucas centenas de metros da aldeia de Covas do Barroso, numa região com o selo de Património Agrícola Mundial atribuído pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Em 2022, a APA tinha dado um parecer desfavorável ao estudo de impacte ambiental apresentado pela Savannah, que foi obrigada a fazer várias alterações ao projecto e que agora teve um sinal verde. Apesar de a agência assumir que a exploração de lítio pode pôr em risco o selo dado pela FAO, Nuno Lacasta, presidente da APA, explica ao PÚBLICO algumas das alterações que tornaram o projecto viável, argumentando que as garantias ambientais e socioeconómicas dadas agora tornam-no numa “referência internacional”.

E estabelece ainda que as únicas linhas vermelhas para a exploração de lítio em Portugal são os projectos “que não passem o crivo ambiental com este nível alto de fasquia”.

O que mudou no projecto da Savannah que fez com que a APA desse uma avaliação positiva?
Vários aspectos. Porque foi possível acomodar essas mudanças é que o projecto foi viabilizado. A exploração mineira é a céu aberto. Na proposta inicial assim ficaria: uma vala bastante profunda destapada. Dissemos que era importante tapar aquela vala, fazer uma espécie de reposição das condições anteriores, o mais possível.

No caso daquela vala, isso ia afectar uma linha de água existente muito importante – as linhas de água ajudam a escoar naturalmente as águas de chuva. Como propusemos o enchimento daquela vala, propusemos igualmente que fosse feita a reposição da linha de água o mais próxima possível do traçado e da configuração original. Ao nível do ruído, a exploração mineira vai terminar diariamente ao fim da tarde. Ao nível da lavaria [local onde se tratam os minérios], que deverá funcionar em permanência, são adoptadas medidas técnicas de isolamento do som.

Havia que assegurar um conjunto de compensações para a utilização e exploração dos baldios daquela região e isso está assegurado. Também é muito importante assegurar que o transporte dos materiais provindos da mina por camião não iria perturbar as povoações nas imediações. O projecto inicial previa a passagem dos camiões pelas povoações. Foi possível encontrar um traçado alternativo que será financiado pela Savannah. Finalmente, os royalties desta exploração mineira, que são devidos por lei, reverterão em benefício do município.

Uma questão que a própria APA refere é o impacto que a exploração pode ter no selo de Património Agrícola Mundial atribuído pela FAO. Isso não seria uma razão para travar a construção da mina?
Temos consciência dessa situação, devemos trabalhar no sentido de evitar a perda desse selo. O plano de acção que referi anteriormente terá no seu centro essa atenção em termos das práticas que mereceram este reconhecimento. Quando agora passarem para a fase de projecto de execução, irá obviamente ser assegurado que essa componente também é salvaguardada o mais possível.

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Local da futura mina de lítio no município de Boticas ADRIANO MIRANDA/PUBLICO

Como é que se pode assegurar que Portugal não perca esse selo?
Através deste plano de acção e da empresa ter um envolvimento muito grande com os actores locais, no sentido de contribuir para que as práticas se mantenham.

Mas a população local queixa-se de não ter sido envolvida.
No início, da parte da empresa, não houve o nível de envolvimento que teria sido desejado. Posteriormente houve um nível de envolvimento muito substancial, está documentado, do ponto de vista de interacções, da consulta pública. Temos hoje um conhecimento muito mais profundo das preocupações.

O pacote com as medidas de compensação socioeconómica é um pacote sem precedentes em Portugal. Os royalties revertem na sua totalidade para o município. O plano de acção terá em conta as questões da economia tradicional e a gestão de baldios, que é relacionada indirectamente com a questão da classificação do património.

Queremos demonstrar que foram ouvidas as vozes, foi documentado este nível de envolvimento por parte da empresa junto das populações. Evidentemente que respeitamos os pronunciamentos que têm vindo a ser feitos.

Um dos receios é que não haja uma fiscalização do projecto.
Estamos a preparar a constituição de uma comissão de acompanhamento ambiental. Damos a garantia de que isto não é uma decisão que hoje é tomada e que agora ninguém continua a monitorizar e a ver a sua implementação. Pelo contrário, a comissão irá nos próximos anos acompanhar passo a passo a implementação dos diferentes elementos. É importante dar o sinal e a instrução de que a gestão ambiental e dos aspectos socioeconómicos deste projecto têm de ser de referência internacional, mas depois há que assegurar no dia-a-dia que assim o é.

Como é que essa comissão vai ser composta e funcionar?
É uma comissão de composição alargada, representativa para termos as diferentes vozes, as diferentes preocupações no seguimento do projecto. Vai acompanhar a implementação no tempo e no modo das diferentes medidas ambientais previstas nas decisões de impacto ambiental.

Uma das preocupações dos ambientalistas é haver um acidente ambiental sem responsabilização da empresa. No caso de contaminação dos solos, a lei dos solos ainda não viu a luz do dia. Como responde a isto?
As medidas de gestão ambiental, incluindo ao nível da gestão de solos, são topo de gama. Como é hábito nos projectos desta natureza, será aplicada legislação em matéria de seguros e cauções pertinentes para este efeito.

Olhando para o futuro da exploração de lítio em Portugal, do ponto de vista da APA, quais são as linhas vermelhas que definem territórios onde não se pode explorar lítio?
Do ponto de vista ambiental e de ordenamento do território, de conservação da natureza, esta decisão creio que se vai constituir como um referencial. Esta passa a ser a fasquia. As pessoas têm de ter consciência de que as baterias dos nossos telemóveis, dos veículos eléctricos que cada vez aumentam mais, e de praticamente tudo o que utilizamos na actualidade têm materiais como o lítio para poderem funcionar.

Aquilo que estamos a fazer é dar um sinal claro, regulamentar, de que esta exploração mineira em Portugal será feita obedecendo aos mais altos padrões de gestão ambiental, constituindo-se uma referência internacional. Essa garantia é crucial até para a fiabilidade da cadeia de valores que poderá daqui resultar. Mas tendo em conta que é uma actividade com impacto no território, entendemos que o conjunto de medidas ambientais, o pacote de compensação socioeconómico, devia ter esta ambição.

Mas quais são as linhas vermelhas em relação à exploração de lítio? Onde não se poderá explorar lítio?
Creio que respondi. A linha vermelha são os projectos que sejam submetidos e que não passem o crivo ambiental com este nível alto de fasquia não serão objecto de autorização ambiental.