Sem empregos, China manda os jovens licenciados “arregaçar as mangas”

Alguns licenciados falam das alegrias de evitar o famoso horário “996” da China Inc., que consiste em trabalhar das 9h às 21h, seis dias por semana. Outros desesperam por empregos especializados.

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Liang Huaxiao, licenciada em Matemática Aplicada, tentou arranjar emprego num dos gigantes da indústria tecnológica chinesa durante dois anos. De seguida, tentou o apoio ao cliente e as vendas. Depois, candidatou-se ao lugar de assistente numa padaria e num salão de beleza.

Tal como um número cada vez maior dos seus colegas com formação superior, Liang continua a tentar encontrar uma fonte de rendimento no pior mercado de trabalho para jovens de que há registo na China.

“Encontrar um emprego tem sido muito difícil”, diz a jovem de 25 anos, que vive com os pais na cidade industrial de Taiyuan, no Norte do país. Disse à minha família que estava disposta a fazer trabalhos mais pesados e a minha mãe chorou. Ficou com tanta pena de mim.

Os economistas prevêem que exemplos como este se tornem cada vez mais comuns nos próximos anos, à medida que o excesso de licenciados e a escassez de mão-de-obra fabril, devido ao envelhecimento da população activa, agravam os desequilíbrios do mercado de trabalho chinês.

O desemprego jovem atingiu um recorde de 20,4% em Abril, e um novo máximo de 11,58 milhões de estudantes universitários deverão terminar o curso este Verão.

Todos estão a competir por empregos naquela que continua a ser uma das economias de crescimento mais rápido do mundo, mas cuja estrutura, assente na indústria transformadora, está cada vez mais desfasada das aspirações das suas gerações mais jovens.

Os sectores mais populares entre os recém-licenciados chineses, como a tecnologia, a educação, o imobiliário e as finanças, foram alvo de repressão legislativa nos últimos anos. Algumas das medidas foram revogadas, mas a recuperação do clima empresarial tem sido lenta: o investimento privado aumentou apenas 0,4% em Janeiro-Abril, enquanto o investimento estatal subiu 9,4%.

A educação na China acelerou mais rápido do que a economia, o que significa que foram entregues mais diplomas do que os necessários para uma economia baseada na indústria transformadora, explica Keyu Jin, autora do The New China Playbook, que documenta a ascensão económica do país.

Há um grande desfasamento entre as expectativas e a realidade das circunstâncias económicas.

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Arregaçar as mangas

Não se sabe exactamente quantos licenciados estão a aceitar empregos abaixo do seu nível de competências, mas os meios de comunicação social estatais reconhecem a tendência. Os editoriais dos meios de comunicação social estatais encorajam os jovens licenciados a arregaçar as mangas, apresentando o perfil de uma mulher de 20 anos que se tornou funcionária de limpeza após um breve período como contabilista.

O Presidente, Xi Jinping, exortou repetidamente os jovens a enfrentarem adversidades num artigo recente nos meios de comunicação social estatais, sublinhando o seu sofrimento durante a Revolução Cultural. Mas a mensagem dificilmente tem eco nos jovens de hoje, que cresceram com a ideia de segurança financeira.

Pequim apelou às empresas públicas para que recrutassem mais licenciados e começou a expandir as escolas de formação profissional para colmatar a falta de mão-de-obra na indústria transformadora avançada. Algumas autarquias locais, incluindo Xangai, estão a oferecer subsídios a empresas que contratem licenciados de 2023.

As indústrias de serviços que estão na vanguarda da recuperação pós-pandémica da China oferecem poucas funções altamente qualificadas. Muitos postos de trabalho de colarinho branco desapareceram”, diz Chim Lee, analista da Economist Intelligence Unit. Os empregos que estão a ser criados são predominantemente em áreas que não exigem formação superior, como a restauração e o turismo.

Cansados do “996

Em plataformas como o Xiaohongshu, o equivalente chinês do Instagram, alguns licenciados falam das alegrias de despir a bata de académico e de evitar o famoso horário “996da China Inc., que consiste em trabalhar das 9h às 21h, seis dias por semana.

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Muitos jovens procuram os templos e acendem incenso numa tentativa de atrair sorte e encontrarem emprego. REUTERS/TINGSHU WANG

Os jovens já não acreditam que o valor de alguém vem do facto de estudar muito ou de ter sucesso na carreira, diz Han Zhaoxue, de 26 anos, licenciada em Administração Pública, que agora é co-gerente de um alojamento rural, depois de ter rejeitado propostas de trabalho mal pagas.

Wang, 23 anos, licenciado em Programação, ganha menos de 3000 yuan (420 euros) por mês a entregar comida a tempo parcial na cidade de Jining, no Leste do país.

O limiar para entrar no sector da programação continua a aumentar. Não conseguia encontrar emprego nas grandes empresas de tecnologia e detestava fazer horas extraordinárias não remuneradas durante o meu estágio numa pequena empresa, disse Wang, dando apenas o seu apelido por razões de privacidade.

Estava mesmo farto e voltei para a minha terra natal, conta, acrescentando que está agora a estudar para o exame de funcionário público.

Liang, licenciada em Matemática Aplicada, continua desempregada e está a pensar seriamente em trabalhar como vendedora ambulante. Não me lembro de mais nenhum sector a que não me tenha candidatado”, diz.