IPO de Lisboa faz primeiro tratamento em Portugal com células CAR-T em crianças

Terapia inovadora já é utilizada em cancros agressivos em adultos, mas é a primeira vez que é aplicada numa criança. A paciente, de 13 anos, está estável e sem sintomas de leucemia.

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Os linfócitos T, quando modificados, podem atacar as células cancerosas e ajudar a combater o cancro J. LIPPINCOTT-SCHWARTZ/NICHD

É a primeira vez que a terapia com células CAR-T é utilizada em crianças em Portugal. O Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa utilizou este tratamento numa menina de 13 anos com leucemia linfoblástica aguda B, um tipo de cancro do sangue agressivo e que é o tumor maligno mais comum em idade pediátrica.

O procedimento decorreu no IPO de Lisboa em Dezembro do ano passado tornando-se o primeiro do país a ser aplicado a crianças com recurso a células CAR-T. A rapariga de 13 anos encontrava-se na “terceira recaída de uma leucemia linfoblástica aguda de tipo B”, como explica a instituição em comunicado. Agora, a paciente encontra-se estável e sem sinais de doença.

O tratamento com células CAR-T é utilizado em alguns doentes para os quais apenas há estratégias paliativas e todas as outras opções eficazes foram esgotadas. É uma técnica de imunoterapia onde são utilizadas as células do próprio doente para criar uma resposta imunitária contra o cancro.

Para isso, são retirados ao doente os linfócitos T (células do sistema imunitário responsáveis pelas nossas defesas contra agentes patogénicos), aos quais são acrescentados “receptores quiméricos de antigénio” (os tais CAR, na sigla em inglês). Estes receptores permitem que os linfócitos T modificados consigam identificar os antigénios (moléculas estranhas ao nosso organismo) específicos das células cancerosas. Como diferentes cancros têm diferentes antigénios, cada CAR-T é feita para um antigénio específico. No caso do IPO de Lisboa, os linfócitos recolhidos seguem para laboratórios dos Estados Unidos ou de outros países da Europa, onde é feita a modificação genética.

Posteriormente, as células modificadas são novamente introduzidas no sangue do doente, através de um cateter venoso, num processo semelhante a uma transfusão. Estas células modificadas, as tais células CAR-T, “conseguem detectar as células tumorais no organismo do doente e vão atacar directamente as células malignas e ajudar a eliminá-las”. O processo, como explica o IPO de Lisboa, “envolve a preparação da criança com quimioterapia e um acompanhamento permanente do seu estado clínico”.

Os tratamentos anteriores não tinham conseguido eliminar completamente as células tumorais, “persistindo uma quantidade de doença residual que não permitia realizar um transplante de medula com garantias de sucesso”, refere a instituição em comunicado.

Disponível em Lisboa, Porto e (futuramente) Coimbra

Esta é uma técnica que está em Portugal desde Maio de 2019, mas não é um tratamento recorrente, dado que é uma terapia aplicada apenas depois de serem esgotadas todas as tentativas através dos tratamentos mais convencionais – como a quimioterapia. Além disso, já depois de todos esses tratamentos, o doente ainda tem de ter a capacidade de aguentar a resposta imunitária e os linfócitos T têm de estar em boas condições – algo que nem sempre acontece e que justifica que nem todos os doentes possam ser tratados com células CAR-T.

Desde 2019, e até ao início deste ano, o IPO do Porto já tinha tratado 42 doentes com estas terapias, dois com leucemia linfoblástica aguda e os restantes com linfomas. A taxa de sucesso rondava os 40%, com 16 doentes que não voltaram a ter sinais de linfomas depois da terapia. Ainda assim, dos 42 doentes, houve 12 pessoas com linfomas que morreram. Os dois pacientes com leucemia linfoblástica aguda, ambos adultos, começaram a terapia no ano passado e estão ambos sem sinais de cancro há quase um ano.

Além do IPO do Porto, também o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte oferece resposta com esta imunoterapia. Desde 2021, este hospital já tinha tratado, pelo menos, cinco pacientes com células CAR-T, três continuavam no início de 2023 com o processo em curso e uma outra pessoa tinha morrido.

Para este ano, está ainda previsto o primeiro tratamento através de imunoterapia com células CAR-T no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – um processo que se iniciou em Janeiro.