Ausência de chapéu
A Esperança enfiou os dedos no forro, que tinha uma parte descosida, e tirou um papel.
A Esperança ajudou o pai a descalçar-se, mas só lhe conseguiu tirar uma das botas, depois o pai enxotou-a e caiu na cama, ainda vestido, com a camisa meio desabotoada, a ressonar. Só nesse instante é que a Esperança se apercebeu que ainda trazia posto o chapéu do homem que estava na taberna do Enguia, que, num gesto de brincadeira, lho pusera na cabeça. Professor, disse a Esperança para si própria, professor, repetiu. Era assim que o tratavam. Tanto o pai quanto o taberneiro. Durante o trajecto de volta ao lar, ajeitou inúmeras vezes o chapéu, demasiado grande para a sua cabeça, sem se aperceber que era algo que não lhe pertencia, pois estava completamente concentrada no esforço de ajudar um pai cambaleante a regressar a casa. Olhou para o chapéu que tinha nas mãos. Gostou do material. Pele de coelho, lia-se na etiqueta. Passou várias vezes a mão pelo tecido, primeiro por fora, depois pelo forro. Sentiu algo estranho dentro do chapéu, uma saliência no forro.
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