Desvendando o potencial regenerativo do cérebro
A descoberta de que o cérebro adulto é capaz de gerar novos neurónios contrariou a crença anterior de que a formação de neurónios ocorria só no desenvolvimento embrionário e no início da infância.
Nas últimas décadas, a comunidade científica tem testemunhado descobertas fascinantes que desafiaram a visão tradicional do cérebro como uma estrutura estática e imutável, tal como proposto por Santiago Ramon y Cajal, o “pai” das neurociências modernas, em 1914.
A descoberta de que o cérebro adulto é capaz de gerar novos neurónios contrariou a crença anterior de que a neurogénese, processo de formação de neurónios, ocorria apenas durante o desenvolvimento embrionário e nos estádios mais iniciais da infância. Estes novos neurónios, derivados de células estaminais neurais adultas, são produzidos em áreas específicas do cérebro e desempenham um papel crucial na aprendizagem, memória e na adaptação a novos ambientes.
A neurogénese adulta pode ser influenciada por uma variedade de fatores, desde o exercício, ao sono e, inclusive, pela ação de fármacos. Descobertas recentes apontam para o potencial dos canabinóides, moléculas derivadas da planta da canábis, na estimulação da regeneração neural, abrindo caminho para novas abordagens no tratamento de doenças neurológicas.
Há muito que se sabe que os canabinóides possuem propriedades medicinais e, desde 2018, que em Portugal é possível serem prescritos medicamentos à base de canábis (Lei n.º 33/2018, de 18 de julho). No entanto, tal como qualquer com outro medicamento, a sua toma deve ser feita de forma controlada e sempre prescrita por um profissional de saúde. É importante enfatizar que o uso não controlado e abusivo de canábis pode levar ao surgimento de diversos efeitos secundários, tais como défices cognitivos e de memória e aumento da probabilidade de desenvolver surtos psicóticos.
No meu doutoramento interessei-me por um canabinóide em particular, a canabidivarina (CBDV). Esta molécula é muito semelhante a outro canabinóide mais conhecido, o canabidiol, no entanto pouco se sabe sobre os seus mecanismos de ação e se tem algum papel na regulação da neurogénese adulta.
O que me levou a interessar pela CBDV foi o facto de já estar a ser estudada para o tratamento de várias doenças neurológicas, tais como perturbações do espetro do autismo ou a síndrome de Rett, tendo mostrado resultados bastante promissores.
O que descobrimos com este trabalho foi que a CBDV atua numa variedade de processos na regulação da neurogénese adulta, tais como promover a proliferação de células estaminais neurais e fomentar o seu desenvolvimento em neurónios adultos funcionais. Mostrámos, também, que a CBDV, nas mesmas condições, é protetora para as células estaminais neurais. Avaliámos também, em modelos animais, o potencial terapêutico da CBDV no tratamento de sintomas associados à síndrome de Rett. O tratamento com CBDV melhorou não só a performance cognitiva, como também problemas de coordenação motora.
Apesar destes avanços, ainda há muito a ser desvendado sobre a capacidade regenerativa do cérebro e como podemos aproveitá-la da maneira mais eficaz. Os nossos resultados complementam estudos anteriores que revelam o quão versátil a CBDV é, salientando um elevado potencial terapêutico por explorar no desenvolvimento de novas estratégias de regeneração do cérebro.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
Aluno de doutoramento da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa