Não são raros os casos em que a violência doméstica surge associada aos maus tratos a animais. Não é difícil perceber porquê: são os mais indefesos. Além disso, há situações em que funcionam como elementos de manipulação da vítima, para quem o animal é importante. Em certos casos, é pela ligação emocional ao animal que a vítima não abandona o lar ou, no caso de ter saído, regressa.
Esta relação entre estes dois tipos de violência, tema escolhido por Laurentina Pedroso, provedora do Animal, será discutido na segunda edição da conferência The Link, que decorre no dia 2 de Junho, no Centro Cultural de Belém. Esta terça-feira, 30 de Maio, começa às 14h30 uma webinar sobre alojar animais e pessoas em contextos de vulnerabilidade.
O que acontece, neste momento, na grande maioria dos casos de violência doméstica é que os animais, quando não ficam com o agressor, são levados para canis ou associações para serem adoptados. Isto acontece porque as casas de abrigo para vítimas de violência doméstica não permitem a entrada de animais. Manuel Albano, vice-presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), reconhece que já existem outras soluções, nomeadamente, “protocolos com três câmaras municipais” que acolhem os animais em regime de confidencialidade e que permitem que os tutores os visitem regularmente.
“Isto acontece porque, por vezes, é difícil que as estruturas existentes, em termos de acolhimento, estejam disponíveis para acolher também os animais. Estamos a falar de estruturas de apoio comunitário e de todo o trabalho que é necessário fazer para evitar todas as situações de conflito ou desconforto perante outros utentes que não tenham animais ou tenham alergias”, afirma. Para proteger as vítimas e os animais, Manuel Albano prefere não revelar o nome destas três autarquias.
Laurentina Pedroso, por outro lado, defende que num cenário ideal esta questão não seria sequer discutida, uma vez que quem deve sair de casa é o agressor. No entanto, como a situação real é bem diferente, encontrou estratégias para que as casas de abrigo aceitem os animais.
Se o abrigo tiver um espaço exterior, criar um espaço para o animal viver resolveria a questão das alergias ou do medo mencionadas pelo vice-presidente. E se não tiver, adianta a provedora, “definir circuitos de entrada e saída” para o animal não se cruzar com os outros habitantes, apostar em renovadores de ar ou retirar carpetes e alcatifas resolveriam o assunto.
“A segunda opção é termos uma rede de famílias de acolhimento que fiquem responsáveis por estes animais”, acrescenta. Em último caso, propõe que estes sejam acolhidos por canis ou associações, mas sugere que estas entidades criem espaços que simulem a sala de uma casa para o tutor e o animal estarem mais confortáveis, como já acontece nos Estados Unidos.
“As associações fazem um trabalho inimaginável, mas estão desenhadas para acolher animais abandonados não para dar o conforto que a vítima precisa para conviver com o animal. Tê-lo ao colo, abraçá-lo e não apenas levá-lo a passear.”
Veterinários e serviços sociais em alerta
Para a provedora, outra forma de garantir que animais e pessoas são protegidas dos agressores é fazer com que as entidades “trabalhem ao mesmo tempo” para os dois casos, ampliando as suas formas de actuação.
De acordo com Laurentina Pedroso, o agressor ataca sempre os mais indefesos, grupo que também inclui os animais. Desta forma, quando os serviços de acção social retiram uma criança vítima de maus tratos, é importante perceber se este é o único elemento da família alvo de abusos. Se o animal também for uma vítima, reitera, deve ser levado.
Além disto, quando os médicos veterinários examinam lesões nos animais, devem perceber se a ferida foi acidental ou se os episódios de violência são recorrentes na família e dar o alerta.
“Os veterinários, serviços de acção social, forças policiais que tratam da parte dos maus tratos, autoridades sanitárias da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária e Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, devem ter mais olhos para o que se passa, porque se fizermos esta ligação estamos a proteger vidas dos animais e das pessoas”, defende Laurentina Pedroso.
No fundo, destaca, trata-se de adaptar os apoios já existentes para crianças, idosos, mulheres ou homens vítimas de violência doméstica e aplicá-lo aos animais de companhia alvo de maus tratos.