Áreas marinhas protegidas não parecem estar a promover diversidade genética
Estudo analisou espécies que constroem habitats marinhos como corais, esponjas e algas. Protecção das áreas marinhas não está a ser eficiente, argumenta investigador da Universidade do Porto.
O que torna um ambiente marinho rico em espécies e mais resiliente às alterações climáticas? A sua diversidade e a sua robustez, e isso poderá estar associado à riqueza genética das suas comunidades. Pelo menos é o que parece indicar um estudo global que analisou a diversidade do ADN de corais, esponjas, algas marinhas, ervas marinhas e outras espécies que constituem a comunidade de organismos que constroem habitats no fundo marinho.
O trabalho, publicado recentemente na revista Global Ecology and Biogeography e que conta com investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar) da Universidade do Porto, também descobriu que a diversidade genética daquelas comunidades em áreas marinhas protegidas não é superior em relação às comunidades situadas em território não protegido. Esta descoberta obriga a questionar se as áreas marinhas protegidas estão efectivamente a ser alvo de protecção.
“Este resultado é bastante surpreendente. Com áreas marinhas protegidas há mais de dez ou 20 anos, pensávamos que íamos ver um efeito na diversidade genética. Mas não há efeito. A diversidade é similar”, diz ao PÚBLICO Jean-Baptiste Ledoux, ecólogo molecular do Ciimar e último autor do artigo, que contou ainda com o trabalho de Aldo Barreiro, também do Ciimar, e de mais cinco investigadores da Universidade de Barcelona e do Instituto de Ciências do Mar, de Barcelona, Espanha.
Refúgios vivos
Os corais, as esponjas, as algas marinhas e as ervas marinhas são um pouco como as árvores das florestas. Apesar de este grupo de organismos incluir animais, como os corais (que são simbiontes) e as esponjas, e plantas como as ervas marinhas (as únicas plantas com flor que vivem no mar), eles têm em comum a capacidade de se instalar num substrato marinho, crescerem e providenciarem inúmeros habitats para centenas a milhares de espécies, desde peixes até moluscos.
“Eles fazem a estrutura do habitat em três dimensões e aumentam a sua complexidade, podem ser vistos como refúgios para outras espécies”, explica o investigador Jean-Baptiste Ledoux. “Sabemos que têm um papel ecológico muito importante, porque sem estas espécies não se pode encontrar toda a biodiversidade associada.”
Por isso, estes habitats podem ser importantes para a alimentação de comunidades humanas costeiras, além de aumentarem a protecção das regiões costeiras a fenómenos meteorológicos extremos, adianta o especialista. Embora haja comunidades mais bem conhecidas, como as existentes na Grande Barreira de Coral da Austrália ou nos ecossistemas coralígenos no mar Mediterrânico, há muitas outras que não se conhecem ou porque estão em regiões onde não há tanto investimento científico ou pela sua situação geográfica.
“Há animais formadores de habitats como corais, esponjas profundas a mais de 1000 metros de profundidade, que não precisam de luz”, exemplifica Jean-Baptiste Ledoux. “Isso é mais uma limitação: sabemos pouco sobre as comunidades profundas.”
O trabalho da equipa internacional foi um passo em frente para se conhecer melhor estas espécies do ponto de vista genético. Uma maior diversidade genética de uma população confere uma maior variação de características e capacidades fisiológicas entre os indivíduos e permite uma amplitude de respostas a mudanças no ambiente, aumentando as probabilidades de a população sobreviver às alterações e adaptar-se. “A diversidade genética é o substrato da evolução, é o que vai permitir às populações responder às mudanças climáticas”, afirma o ecólogo.
Padrões genéticos
A equipa utilizou estudos já publicados de genética populacional sobre os diferentes organismos formadores de habitats marinhos em todo o mundo, embora regiões como o Atlântico Sul e os dois pólos estejam pouco representadas devido à falta de trabalhos científicos feitos naquelas regiões. Por outro lado, “o nosso artigo está focado nas comunidades nos primeiros 50 metros de profundidade”, adianta o investigador.
A partir da informação de microssatélites, sequências curtas e repetitivas de ADN que funcionam como marcadores genéticos e possibilitam avaliar a diversidade genética de uma população, a equipa fez um retrato macrogenético daquelas comunidades.
“A macrogenética tenta encontrar padrões gerais na diversidade genética de um grupo de espécies, neste caso as espécies formadoras de habitat marinho”, clarifica Jean-Baptiste Ledoux. Apesar de este grupo incluir organismos que estão distantes a nível evolutivo, podem ainda assim existir padrões gerais devido a processos ecológicos comuns. Quando estes padrões e processos são compreendidos, ficamos “numa posição melhor para a sua protecção”, garante o ecólogo.
Um dos resultados obtidos pela equipa está ligado a estes padrões. Ao contrário das espécies terrestres em que a diversidade específica é maior à medida que nos aproximamos dos pólos em direcção à linha do Equador, as espécies marinhas formadoras de habitat apresentam um padrão bimodal. Ou seja, existem dois picos de diversidade genética, um em cada hemisfério. “A diversidade genética mais alta é vista em latitudes intermédias, por volta dos 40 graus”, diz o cientista.
Segundo Jean-Baptiste Ledoux, a equipa não tem uma explicação para este padrão, mas o que verificaram é que quando as espécies construtoras de habitat tinham uma maior diversidade genética, a comunidade de espécies associada era ela própria mais diversificada. Porquê? “Uma das hipóteses é que uma população com maior diversidade genética terá um estado de saúde melhor, o que tem um impacto positivo para a comunidade associada”, responde.
Infelizmente, o que o estudo também mostrou é que as áreas marinhas protegidas não tinham mais diversidade genética do que as áreas não protegidas. “A gestão das áreas marinhas protegidas deve ser reforçada”, defende o investigador. “Afinal, ela só existe em nome, na realidade não se faz nada de diferente nessas áreas. Se tivermos em conta que a diversidade genética é necessária para responder a todos os desafios que a biodiversidade tem pela frente, como as alterações climáticas, então dentro da nossa forma de proteger não estamos a conseguir fazê-lo. Há um problema maior.”
O ecólogo recorda o acordo produzido durante a 15.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica (COP15), que ocorreu em Montreal, no Canadá, em Dezembro de 2022. Uma das metas do documento é manter a diversidade genética das populações nativas de modo a salvaguardar a sua capacidade adaptativa. Neste contexto, “vemos o nosso estudo como uma linha de base que pode servir de referência para desenvolver planos de conservação a grande escala espacial" naquelas comunidades, avança Jean-Baptiste Ledoux .
O próximo passo da equipa vai ser ampliar a base de dados que estão a desenvolver com informação sobre espécies de moluscos e tentar detectar a queda de diversidade genética associada ao impacto das actividades humanas. A nível pessoal, Jean-Baptiste Ledoux vai estudar a diversidade genética de espécies de corais Alcyonium digitatum e Eunicella verrucosa, e das algas Laminaria hyperborea e Ascophyllum nodosum na costa portuguesa, comparando áreas marinhas protegidas com áreas não protegidas em Portugal.