Exportar lítio ou hidrogénio? Portugal deve apostar é na produção de aço verde
A procura por tecnologias limpas de energia disparou e Portugal tem recursos a oferecer. Mas se não apostar em actividades com mais valor acrescentado, como produzir aço verde, terá ganhos limitados.
Com as maiores reservas confirmadas de lítio na Europa e grande potencial de produção de hidrogénio verde, Portugal parece bem posicionado para beneficiar da subida do investimento em tecnologias de energias limpas. Mas isso não é garantia de que o país consiga extrair os maiores benefícios desses recursos, se ficar sobretudo pela sua exportação, sem apostar em actividades económicas de maior valor acrescentado, como fábricas de baterias eléctricas ou produção de aço verde, alerta um relatório do think tank europeu E3G focado no caso português.
“Pode-se perder uma oportunidade do ponto de vista macroeconómico, se os recursos não forem aplicados em actividades de valor mais elevado”, alerta Artur Patuleia, um dos autores do relatório Impulsionar a Convergência Económica Europeia Através das Novas Cadeias de Valor de Tecnologias Limpas – O Caso de Portugal.
A procura por tecnologias limpas de produção energética disparou quando subiu o preço do gás por causa da guerra da Rússia contra a Ucrânia. Em 2022, foram batidos vários recordes de energias renováveis: a procura por bombas de calor aumentou 38,3%, a instalação de sistemas de armazenamento de electricidade em baterias 40,4% e a parcela de mercado dos veículos eléctricos 33,5%, resume o relatório.
E isto acontece num contexto em que a Lei de Redução da Inflação nos Estados Unidos pode gerar 1,7 biliões [em inglês, triliões] de dólares (cerca de 1,6 biliões de euros) de financiamento para tecnologias verdes durante os próximos dez anos (para ajudar o país a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em cerca de 40% até 2030) e o Plano Industrial do Pacto Ecológico Europeu prevê 578 mil milhões de euros só em financiamento público.
“Isto sugere uma perspectiva positiva para o investimento em indústrias verdes na UE, mas não é claro como é que esses ganhos se distribuirão entre os Estados-membros, e qual será o impacto da transição na coesão e solidariedade europeias”, dizem Artur Patuleia e Aleksandra Waliszewska, autores do relatório do E3G.
Desequilíbrios no Pacto Ecológico
Isto porque o quadro de política industrial da União Europeia é uma balança que se inclina demasiado para um lado. “Ao ter essencialmente como base as contribuições financeiras nacionais, favorece implicitamente países de maior rendimento. Isto limita o aumento da sofisticação da capacidade produtiva em países de menor rendimento e aprofunda os desequilíbrios de poder industrial, prolongando a sua dependência face a fundos de coesão para investimento público”, diagnosticam Patuleia e Waliszewska.
Um exemplo recente, sublinham, são as discrepâncias em ajudas estatais concedidas ao abrigo do Quadro Temporário de Crise. Grandes países como Alemanha e França, sublinham os investigadores, “dominaram profundamente, gastando respectivamente 53% e 24% das ajudas até Janeiro de 2023”.
Se for mal gerido, o aumento de investimento em tecnologias verdes lançado pelo Plano Industrial do Pacto Ecológico Europeu pode também agravar os desequilíbrios económicos existentes. “Isto aumenta a probabilidade de uma descarbonização a duas velocidades e de ser um teste à solidariedade e apoio público à acção climática”, frisam Patuleia e Waliszewska.
Os países têm, portanto, de fazer apostas além da exportação de recursos como o lítio e o hidrogénio verde, criar cadeias de valor acrescentado. “Portugal tem de tomar decisões cruciais”, diz Aleksandra Waliszewska, num briefing pela Internet a que o Azul assistiu. “Não é que seja uma causa perdida [para Portugal], mas essas decisões já foram tomadas em termos globais, nos Estados Unidos, na União Europeia, e os países têm de se apressar para aproveitarem as oportunidades”, recomenda.
É preciso então ter uma estratégia integrada sobre o que fazer com recursos como o lítio e o hidrogénio verde. “A falta de uma política para tecnologias limpas ao nível nacional faz com que Portugal se arrisque a perder o impulso global de investimento nesse sector e o aumento de interesse de multinacionais para investir no Sudoeste da Europa”, escrevem os autores.
Produzir aço verde é mais rentável do que exportar só hidrogénio verde
Se a maior parte do lítio e do hidrogénio forem para exportação, pode perder-se a oportunidade de dinamizar actividades económicas com maior valor acrescentado, como produzir aço verde.
“Usar hidrogénio verde para produzir aço verde pode gerar resultados económicos cinco vezes mais elevados do que exportá-lo ou injectá-lo na rede de gás natural”, sublinhou Aleksandra Waliszewska.
Essa foi, aliás, a recomendação feita aos empresários portugueses pela comissária europeia da Energia, Kadri Simson, em entrevista recente ao PÚBLICO: “Comecem já a produzir hidrogénio verde para descarbonizar a economia portuguesa, e a produzir aço verde, porque há procura no mercado por estas opções limpas, e, ao fazer isto, vão manter todos os benefícios aqui e vão criar empregos”.
Desenvolver a produção de aço verde em Portugal não só criaria empregos como mais valor económico. “Por exemplo, os produtores de automóveis estão cada vez mais interessados em usar aço verde”, sugerem os investigadores.
“O aço verde português pode ser integrado nas cadeias de valor luso-espanholas que já existem. Pode ainda ser usado para produção de turbinas eólicas, para ajudar a satisfazer a procura do desenvolvimento anunciado por Portugal de 10 gigawatts (GW) de eólicas offshore” até 2030, cerca do dobro dos 5,6 GW de potência eólica em terra de que o país hoje dispõe, frisam.
Os investigadores citam dados que sugerem que 375 mil toneladas por ano de hidrogénio podiam ser suficientes para fabricar 7,5 milhões de toneladas de aço verde por ano. “Isto é uma capacidade semelhante à da siderurgia Tata nos Países Baixos, que gera por ano cinco mil milhões de dólares em produção e 2,7 mil milhões de euros de valor acrescentado bruto, além de empregar directamente 11 mil pessoas (dados de 2019)”, contabiliza o relatório. Se o mesmo volume de hidrogénio fosse simplesmente exportado, o valor acrescentado seria muito menor, até mil milhões de euros, sem criar mais empregos.
Excesso de exportação
Só que a lista de projectos em torno do lítio e do hidrogénio verde em Portugal até agora “aponta para um peso excessivo de projectos de baixo valor acrescentado”, com forte aposta na exportação, sublinhou Aleksandra Waliszewska.
A Estratégia Nacional para o Hidrogénio, aprovada em 2020, prevê a exportação de 35% a 40% da produção portuguesa. “O acordo bilateral com os Países Baixos e o impulso diplomático para o gasoduto H2Med indicam uma preferência de exportação para os países do Noroeste Europeu”, salienta o relatório.
Este peso tão grande da exportação pode ter custos para Portugal: “A disponibilidade de um recurso premium como o hidrogénio é uma pré-condição para desenvolver com sucesso cadeias de alto valor acrescentado”, escrevem os autores.
As contas mostram que o investimento em projectos com alto valor acrescentado pode dar resultados significativamente diferentes da mera exportação de recursos. A capacidade de produção anual do maior projecto de mineração de lítio em Portugal (Barroso), 175 quilotoneladas por ano, podia abastecer uma gigafábrica (unidade de produção em grande escala de baterias para veículos eléctricos) de 40 gigawatt-hora (GWh) e um cluster automóvel com a produção anual de cerca de 730 mil veículos, diz o relatório.
“Isto é aproximadamente três vezes o nível de produção da fábrica da Volkswagen Autoeuropa, em Palmela, que produz o equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto português, e 4% do valor das exportações nacionais, além de empregar directamente 5000 pessoas”, é sublinhado.
No entanto, a empresa Savannah, que quer construir a primeira mina de lítio no Barroso, planeia exportar 86% da produção estimada de 175 quilotoneladas por ano.
Barreiras
Há barreiras a ultrapassar para que Portugal consiga tirar o maior benefício possível do lítio e do hidrogénio verde, dois recursos altamente valorizados. Uma delas é que o país tem um número relativamente pequeno de empresas com a escala suficiente para desenvolver estas cadeias de valor de tecnologias limpas, dizem Patuleia e Waliszewska. “Isto reforça a necessidade de uma abordagem integrada, com uma governação forte e coordenação sectorial que dê garantias e direcção ao investimento directo estrangeiro”, recomendam os autores.
Por isso, a estratégia industrial verde, prevista na Lei do Clima portuguesa [cuja regulamentação e aplicação está atrasada], deveria ser apresentada antes da data prevista de Fevereiro de 2024, sugerem. Os investigadores notam que “não há nenhuma estrutura de coordenação da política industrial, para alinhar as diferentes responsabilidades ministeriais nas áreas da inovação, política industrial, energia, investimento estrangeiro, diplomacia, finanças e educação”.
Por outro lado, é preciso não ignorar à resistência das populações locais a projectos como a exploração de minas de lítio. Os habitantes locais antevêem que ficarão com as consequências (más) da exploração mineira, enquanto os benefícios serão exportados para outro local.
A inclusão das populações pode passar por garantir benefícios para a comunidade – por exemplo, desenvolvendo a capacidade de produção de baterias, mantendo sólidas salvaguardas ambientais. “Portugal podia apoiar-se no Quadro Temporário de Crise e Transição, que permite maiores apoios estatais para ‘regiões menos desenvolvidas’, para incentivar o desenvolvimento da produção de cadeias de valor de produção de baterias ligadas à mineração de lítio”, sugerem os investigadores.
Do lado da União Europeia, há a necessidade de reforçar o investimento no Plano Industrial do Pacto Ecológico Europeu, para tentar resolver os desequilíbrios entre os Estados-membros, como a própria Comissão Europeia reconheceu num documento de trabalho recente. O Fundo Soberano Europeu [para investir em tecnologias limpas], cuja criação está a ser discutida, podia ajudar a preencher esta lacuna de financiamento.
“Há uma proposta no âmbito do Plano industrial para desenvolver uma nova fonte de financiamento, além do Quadro Multianual de Financiamento, que é este Fundo Soberano Europeu. Politicamente, é difícil, mas o nosso argumento, e de múltiplas vozes na União Europeia, é que não pode exacerbar mais as divergências económicas na UE”, explica Aleksandra Waliszewska.
Toda a UE beneficiará de ter um mercado único coeso, funcional e integrado, diz. “Exacerbar as diferenças no desenvolvimento económico tem o efeito contrário e não é um grande ambiente para entrar na transição verde, nos anos cruciais que aí vêm”, salienta Waliszewska.
Mas criar uma nova fonte de financiamento pode ser complicado. “Em especial com os prazos apertados que a Comissão Europeia tem com o mandato a chegar ao fim em 2024, e as eleições europeias no mesmo ano. Mas há ainda tantas peças que faltam, e isso pode ter consequências tão graves, que é preciso manter a pressão para que seja criado este novo fundo soberano, embora seja um desafio político”, diz a analista. Baralhar e dar de novo os fundos preexistentes não basta para que todos os países da União Europeia consigam fazer a transição verde.