“Ainda não viram nada!” Mariana toma rédeas do BE contra o “pântano” da maioria absoluta
Eleita com mais de 80% dos votos, no encerramento da convenção definiu o futuro do partido: fazer oposição ao PS, impedir o crescimento das direitas, recuperar eleitoralmente, mobilizar a esquerda.
Mariana Mortágua foi eleita coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) com a esmagadora maioria dos votos — 439 face aos 78 conseguidos pela moção opositora. Depois de mais de uma década com Catarina Martins ao leme, o partido entra agora num novo ciclo que Mortágua promete ser de oposição e recuperação, embora mantendo a continuidade face à anterior liderança.
A moção encabeçada por Mortágua, que determina a estratégia dos próximos dois anos do partido, conseguiu aumentar a sua representação nos órgãos nacionais face à última convenção, tendo agora mais peso na mesa nacional (67 mandatos face a 13 dos opositores) e na comissão política (17 membros em comparação com quatro da outra moção). Os rostos são praticamente os mesmos e Catarina Martins mantém-se na direcção.
No primeiro discurso como líder, em que arrancou das cadeiras os militantes que encheram o Pavilhão do Casal Vistoso, foi sobretudo para fora que Mortágua falou, deixando promessas de uma “esquerda frontal” aos adversários – inclusive àqueles que estavam presentes na sala. Figuras do PS como o secretário-geral adjunto do PS, João Torres, e do Governo, como o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes, foram convidados, mas isso não inibiu Mortágua de disparar contra os socialistas.
A bloquista garantiu que “ainda não viram nada”, porque este “é só o começo do Bloco de Esquerda”, um partido que “não se cala perante o abuso”, nem “se encolhe perante a intimidação”, e que vai impedir tanto “a rampa deslizante para a direita e para a extrema-direita”, como que a maioria absoluta “continue este caminho de degradação”.
Mais do que contra a “política do ódio” do espectro oposto ao BE, foi contra a “política do medo” e o “pântano” da maioria absoluta do PS que Mortágua se atirou, porque, alertou, “o desgaste da vida democrática não é só provocado pelos arruaceiros que gritam contra ela”. Para a nova líder do BE, são os socialistas os “causadores da fragilização da democracia” com o seu “poder absoluto”, que acusa de ser “um tormento de degradação e instabilidade” ou “uma causa de embaraço nacional”.
As eleições e a mobilização
Face a essa escolha “entre o mau [o PS] e o pior [a direita]”, a bloquista defendeu o seu lema pela “vida boa”, garantindo que não se trata de um “acesso romântico”, mas de “todo um programa”. Pelos “serviços públicos”, “uma casa, salário decente, cuidados”, “uma economia que caiba nos limites naturais do nosso planeta” ou os mesmos direitos para os “imigrantes”, declarou.
Mortágua não ignorou também a necessidade de o partido recuperar eleitoralmente, depois do último ciclo de derrotas, a mais pesada das quais nas legislativas de 2022, tendo definido como objectivos eleitorais voltar a ganhar representação na Madeira e “ultrapassar o Chega e a IL” nas europeias.
Nem ignorou a necessidade de o partido reforçar a sua mobilização. Prometeu “empenho” à “luta popular”, “mais força” aos “movimentos sociais” e “unidade à esquerda”.
Tal como inúmeros militantes, dos apoiantes aos opositores, a agora coordenadora reconheceu os 11 anos de liderança de Catarina Martins, mas também agradeceu à irmã, Joana Mortágua, que a convenceu a entrar no partido, e ao pai, Camilo Mortágua, de quem diz sentir “orgulho” pela luta antifascismo que travou.
Foi um discurso de síntese das intervenções que, ao longo dos dois dias de convenção, expressaram a quase uma só voz os desafios do BE: combater a maioria absoluta, travar a direita, recuperar nas eleições e mobilizar, dentro e fora do partido. Ao contrário de convenções passadas, como a de 2014 em que Catarina Martins e Pedro Filipe Soares disputaram a liderança, foi a imagem de um Bloco coeso, com uma oposição minoritária, que saiu do encontro.
Houve, ainda assim, espaço para o debate se polarizar, sobretudo, no que toca à guerra da Ucrânia. Várias vozes da moção E, como Mário Tomé, se insurgiram em relação à participação da deputada Isabel Pires numa delegação da Assembleia da República a Kiev e a um convite feito ao Presidente do Parlamento ucraniano, que acusam de ser “neonazi”, para vir a Portugal. Criticaram a aproximação da posição do BE sobre a guerra à do Governo e a suavização do discurso no que toca à NATO.
Os dirigentes, como José Manuel Pureza, defenderam que a posição do BE é de “solidariedade com os povos e a autodeterminação”, independentemente dos seus líderes, e de “frontal oposição à NATO”, garantindo que rejeitam todos os imperialismos, sem distinções entre o dos EUA ou da Rússia.