Seca implacável deixa olival de Portugal em risco. Sem água, não há azeite

A seca extrema do último ano causou uma descida drástica na produção de azeite e os preços subiram para valores nunca vistos. Na campanha em curso tudo aponta para mais do mesmo mal.

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MUSEU DO AZEITE OLIVEIRA DO HOSPITAL LAGAR DO PROPRIETARIO DO MUSEU ADRIANO MIRANDA / PUBLICO
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É tempo de reconhecer que há um conjunto de circunstâncias que estão a deixar de ser atípicas. O agravamento da intensidade das alterações climáticas, redução da precipitação anual, aumento das temperaturas médias, mínimas e máximas e a diminuição do frio invernal, já não são a excepção, mas estão a fazer parte da regra. As condições meteorológicas em 2022 deram lugar à pior colheita de azeitona do século XXI e as consequências revelam-se na alta de preços do azeite, que atingiu valores só comparáveis às campanhas da década de 90 do século passado. Os olivais de sequeiro foram os mais atingidos pela seca e esperam-se declínios ainda mais significativos na produção de 2023/2024.

Os sinais de alerta vindos de Espanha anunciam que a produção de azeite pode estar “à beira de um colapso”. E percebe-se porquê: dados do Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação (MAPA) referem que, em anos normais, o país vizinho fornece cerca de 50 por cento do azeite mundial.

Porém, na campanha de 2021-2022 a falta de chuva e as temperaturas extremas fizeram com que a produção de azeite caísse 55 por cento, para 660 mil toneladas, face a 1,48 milhões de toneladas, produção recorde do ano anterior. Uma quebra tão drástica na produção de azeite acabaria por realçar um paradoxo: a diminuição da produção do olival espanhol fez com que o país que era o maior produtor mundial se tornasse o maior importador de azeite europeu, com uma subida de 38,6%, constatou Juan Luis Vicente, do Departamento de Estudos Económicos e Estatísticas do Conselho Oleícola Internacional (COI).

Este organismo reconhece que os oito principais países produtores da União Europeia, um dos quais é Portugal, produziram na campanha de 2021/2022 cerca de 1,5 milhões de toneladas de azeite, “bem abaixo da média de 2,17 milhões de toneladas dos últimos cinco anos”.

E este ano? Para já, prevê-se o pior para o olival de sequeiro (que representa entre 75 a 80% do olival que existe em Portugal). Na agricultura de sequeiro a plantação envolve no máximo 300 árvores por hectare e depende da água da chuva, ao contrário da cultura de regadio (sendo que, no caso do regime superintensivo, o número de árvores por hectare pode chegar às duas mil). Em 2020, o olival ocupava um total de 379.444 hectares em Portugal: olival tradicional de sequeiro ocupava 284 758 hectares.

Os resultados da campanha oleícola de sequeiro em curso são preocupantes. Nem a precipitação atmosférica que caiu nos últimos dias mitigou a escassez hídrica no Sul de Espanha e no Nordeste transmontano, Vale do Tejo, Baixo Alentejo e Algarve.

Em Janeiro e na região de Andaluzia uma tonelada de azeite foi vendida a 5300 euros, quando em igual período de 2022 o seu valor se situou nos 3500 euros. Em meados do passado mês de Abril, subiu para 5800 euros a tonelada e, tudo indica, a “tendência dos preços em alta, vai continuar”, admite Fanny de Gasquet, dirigente da empresa Baillon Intercor, especializada em óleos e gorduras.

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Olival na Beira Interior Sergio Azenha

As perspectivas para os consumidores apresentam-se sombrias, já que o preço mundial do azeite depende muito da realidade espanhola. “O virgem extra já atingiu valores insustentáveis superiores a 6 euros o quilo”, confirmou ao PÚBLICO Carlos Martins, consultor na União de Cooperativas Agrícolas do Sul (Ucasul).

Os produtores culpam as altas temperaturas e o défice hidrológico que danificaram as árvores na época da floração e também os efeitos de uma seca sem precedentes. Um estudo publicado recentemente na Nature Geoscience concluiu que o Sul de Espanha está a sofrer os efeitos de uma seca como não acontecia “há mais de 1000 anos” e que o fenómeno climático extremo “foi igualmente implacável em Portugal”, ao ter em 2022 metade das chuvas que normalmente ocorrem durante um ano hidrológico, acrescenta o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

Acesso ao bem precioso da água

Os olivais de sequeiro foram os mais atingidos pela seca. Hélder Transmontano, director-geral da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos (CAMB), disse ao PÚBLICO que os cerca de 1400 olivicultores associados na cooperativa que exploram quase 21.000 hectares de olival, dos quais cerca de 16.000 hectares de olival de sequeiro, “estão a viver uma situação extremamente delicada” por não terem acesso à água de Alqueva.

“Temos a barragem no nosso concelho e, depois de ficarmos com milhares de hectares agrícolas debaixo de água [leito da albufeira], continuamos sem ter acesso a um bem tão precioso.” E as consequências evidenciam-se: “Dois anos seguidos com quebras de produção brutais, por causa da seca, serão um desastre. Muitos dos nossos associados estão à beira do colapso.”

“Vamos ter uma produção muito curta e consequentemente dificuldade em satisfazer a procura” [sobretudo em azeite DOP (Denominação de Origem Protegida)].” Cerca de 80% do azeite DOP produzido em Portugal tem origem nas explorações de Moura.

A baixa produção, por sua vez, incentiva a subida dos preços. Em resposta, os consumidores começam a optar pelos óleos vegetais e Hélder Transmontano sabe que “depois recuperá-los é um processo demorado, oneroso e difícil”.

Neste momento a produção em Moura apresenta árvores “em que não se vê uma única azeitona e as que têm são tão pequenas que se desfazem”, salienta Transmontano, que é natural do Alentejo. Antevê um cenário que o assusta: “Não há como a água que vem do céu. E, quando falta dois anos seguidos, equivale a uma catástrofe.

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Produtor de Moura, no Alentejo Daniel Rocha

No concelho vizinho de Serpa, Bento Teresa produtor de olival de sequeiro na serra que desponta em Vila Verde de Ficalho, recorre à expressão que se tornou recorrente entre os que exploram olival de sequeiro: “Estamos a viver uma situação catastrófica.” As razões para a constatação pessimista são evidentes: “O ano passado não tivemos azeite e este ano vai pelo mesmo caminho.”

A seca constante que está a aparecer com intervalos de tempo mais curtos entre si suscita-lhe uma certeza: “O olival de sequeiro sem água é impossível [para cerca de meia centena de agricultores que exploram na serra de Ficalho áreas com cinco, dez e 20 hectares]. E explica: “Eu sou proprietário de uma área com 70 hectares. E só vou ter algum azeite porque retiro água do aquífero subterrâneo Moura/Ficalho.”

É preciso mais água e outra mentalidade

Embora as oliveiras sejam resistentes à seca, muitos povoamentos em quase toda a região alentejana não receberam as quantidades mínimas de água em momentos críticos do seu desenvolvimento, fazendo com que as árvores deixassem cair os frutos para se preservarem. Esta é a interpretação que os produtores fazem no Alentejo e no Nordeste transmontano.

À semelhança do que está a acontecer no Sul do país, “as temperaturas mais elevadas durante o ciclo produtivo afectaram negativamente a floração, o vingamento e, posteriormente, a acumulação de azeite nas azeitonas durante a maturação”, explica ao PÚBLICO Francisco Pavão, presidente da Associação dos Produtores em Protecção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro (APPITAD).

Nesta altura do ano ainda não é possível estimar a dimensão das consequências, mas “a preocupação é grande”, admitindo Francisco Pavão que o cenário anterior se possa repetir na campanha em curso. A realidade tal como se está a revelar demonstra “mais do nunca”, e numa altura em que os ciclos de seca são mais curtos entre si, que é “fundamental estudar novas técnicas para mitigar os efeitos da seca”, por exemplo, através da instalação de pequenas bacias de retenção de água que permitam aos agricultores regar e preservar o olival de sequeiro.

“Chove imenso na região nortenha, mas pouca dessa água é armazenada”, constata Francisco Pavão. E alerta que muitas economias familiares no interior do país têm por base o olival. “Urge, pois, encontrar uma estratégia nacional para a valorização do olival tradicional português que não olhe só para a produtividade, mas também para o contributo que pode ter para a biodiversidade, para a definição do mosaico da paisagem e fixação de populações.”

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ADRIANO MIRANDA

Patrícia Falcão Duarte, secretária-geral da Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Olivicultores (Fenazeites), partilha das preocupações expressas pelo presidente da APPITAD. “Se os olivais em Trás-os-Montes não forem regados, perdem-se.” Outra consequência surge associada à falta de água: o risco de abandono pelas famílias que obtêm parte do seu rendimento da produção olivícola, que este ano “vai sofrer muito”. “Provavelmente acabaremos por enfrentar os mesmos problemas que se observam em Espanha”, observa a dirigente associativa.

Os efeitos da seca já se fazem sentir no olival de sequeiro depois de longos períodos sem chuva a que se juntam os “efeitos da quebra muito grande na produção do ano passado”, confirma ao PÚBLICO Patrícia Duarte. E realça mais um pormenor: “Há quem pense que a oliveira é uma árvore de deserto, mas não é.” “[Se] não tivermos uma Primavera mais chuvosa, o olival de sequeiro não se aguenta.”

Apesar de mais vulnerável às alterações climáticas, há especialistas que defendem que o olival de sequeiro é mais benéfico para o clima. Um estudo recente de uma equipa de investigadores da Universidade de Jaén conclui que os olivais de sequeiro contribuem para a mitigação das alterações climáticas comparado com os que usam sistemas de rega. "Os olivais de sequeiro cultivados da forma tradicional absorveram significativamente mais CO2 do que os olivais que usam regadio e que os olivais intensivos, que se estão a tornar cada vez mais comuns".

Mas se a água que cai do céu é vital para a manutenção do olival de sequeiro, a mudança de mentalidades é igualmente decisiva, quando as alterações climáticas vieram impor novas regras no modo como se cultivam os campos, com exigência acrescida na região montanhosa do Norte do país.

“Temos de acabar com a forma excessiva como se continua a mobilizar o solo”, vincou ao PÚBLICO Carlos Correia professor e investigador na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). A erosão do solo é um dos principais problemas ambientais na região mediterrânica. “Um século é o tempo que demora, em média, a formação de um centímetro de solo e, na actualidade, em poucas horas sofremos perdas superiores.”

A experiência e o conhecimento adquirido dizem-lhe que um solo em que não se mexe “retém melhor a precipitação atmosférica, facilita a infiltração da água e aumento da matéria orgânica”. Esta técnica poderá ser uma das soluções para “manter os olivais de sequeiro com viabilidade económica em termos futuros”, refere o investigador. Considera que ainda não estaremos a assistir “ao fim do olival de sequeiro”, mas, se se continuarem a verificar precipitações muito baixas, o seu abandono será irreversível. Carlos Correia conclui: “Ainda não é uma realidade, mas é uma ameaça muito séria e está a ser difícil aceitar a mudança.”