Há 12 áreas protegidas com municípios sem plano de defesa da floresta em vigor

Peneda-Gerês, único parque nacional, tem município sem plano contra fogos. É assim em cinco parques naturais. Na Arrábida, nenhum dos concelhos o tem. Governo fez 12 cativações de verbas a autarquias.

Foto
A Rede Nacional de Áreas Protegidas inclui actualmente 32 áreas de âmbito nacional, 15 de âmbito regional ou local e cinco de âmbito privado Nuno Alexandre

O único parque nacional e cinco dos 13 parques naturais do país têm pelo menos um concelho sem Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI) em vigor, incumprimento verificado também noutras seis das 52 áreas protegidas do continente.

São classificadas como áreas protegidas as áreas terrestres e aquáticas interiores e as áreas marinhas que apresentem, pela sua raridade, valor científico, ecológico, social ou cénico, uma relevância especial que exija medidas específicas de conservação e gestão. A Rede Nacional de Áreas Protegidas inclui actualmente 32 áreas de âmbito nacional, 15 de âmbito regional ou local e cinco de âmbito privado.

A Peneda-Gerês é o único parque nacional em território português, estendendo-se por uma área de cerca de 70 mil hectares, nos concelhos de Terras de Bouro (distrito de Braga), Melgaço, Ponte da Barca e Arcos de Valdevez (Viana do Castelo) e Montalegre (Vila Real). Destes, apenas Arcos de Valdevez não tem, segundo o mais recente ponto de situação do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), PMDFCI em vigor.

Apesar de obrigatório para todos os municípios do continente, até 13 de Abril, e segundo a informação disponibilizada à Lusa nesse mês, 28 dos 278 municípios em Portugal Continental não tinham PMDFCI em vigor. Um deles não tem e nunca teve plano.

Nenhum dos municípios do Parque da Arrábida tem plano

De acordo com a legislação em vigor, depois de emitido parecer positivo vinculativo, os PDMFCI têm de ser aprovados, por maioria simples, em sede de Assembleia Municipal, num prazo de 45 dias, sendo depois objecto de publicação no Diário da República. Só depois desta publicação o documento entra em vigor.

No território dos parques naturais, o incumprimento repete-se e, no conjunto de concelhos que abrangem, pelo menos um concelho não tem PMDFCI actualizado: Montesinho (Vinhais), Alvão (Vila Real), serra da Estrela (Gouveia), serra de Aire e Candeeiros (Alcobaça e Porto de Mós) e Arrábida (Palmela, Setúbal, Sesimbra).

O Parque Natural da Arrábida é o único dos cinco em que todos os municípios — Palmela, Setúbal e Sesimbra — não têm plano de defesa da floresta contra incêndios em vigor.

No conjunto destes três territórios, há ainda um monumento natural: a jazida de icnofósseis dos Lagosteiros, descrita como "uma importante ocorrência paleontológica" onde se observam "pegadas que testemunham a passagem de dinossáurios há 130-133 milhões de anos", lê-se plataforma nacional Natural.pt, que visa a promoção integrada do território, dos produtos e dos serviços existentes na Rede Nacional das Áreas Protegidas e na sua envolvente próxima.

Além do Monumento Natural dos Lagosteiros, no concelho de Sesimbra estão localizados outros dois monumentos (Pedra Mua e a Pedreira do Avelino) e uma das duas paisagens protegidas do continente — a Arriba Fóssil da Costa da Caparica, que se estende desde o vizinho concelho de Almada.

Também na Reserva Natural do Estuário do Sado há municípios em incumprimento. De um total de quatro, três — Palmela, Setúbal e Grândola — não têm PMDFCI actualizado. Entre as áreas protegidas regionais e locais, apenas a Paisagem Regional do Parque das Serras do Porto tem uma situação irregular. Dos três concelhos em causa — Gondomar, Valongo e Paredes —, o primeiro não tem PMDFCI em vigor. Nas áreas protegidas de âmbito privado, todos os municípios estão em situação regular.

Administração Interna apela autarcas a actualizar planos de defesa contra incêndios

Na semana passada, o ministro da Administração Interna apelou, aos presidentes de câmara para manterem actualizados os planos de emergência de protecção civil e os planos municipais de defesa da floresta contra incêndios. Numa carta enviada à Associação Nacional de Municípios Portugueses, José Luís Carneiro refere que os incêndios rurais​ representam "uma grande ameaça para as comunidades e territórios", sendo "fundamental que cada um assuma as suas responsabilidades no que respeita à prevenção desta ameaça".

O ICNF esclareceu que os PMDFCI "são aplicados" até serem substituídos pelos novos programas sub-regionais, que ainda não foram aprovados, no âmbito do novo Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais.

Apesar de o ICNF continuar a ser a autoridade nacional da conservação da natureza, em 2019, o Governo criou um modelo de co-gestão das áreas protegidas que contempla a participação na gestão das autoridades locais, mas envolve também entidades como universidades e outras organizações locais.

O modelo de co-gestão das áreas protegidas tem merecido críticas, tendo já levado vários partidos a apresentar propostas de revogação. De acordo com o mais recente Relatório do Estado da Natureza na Europa (2020), em Portugal, 72% dos habitats estão em estado inadequado ou mau, e 80% tendem a degradar-se ainda mais se nada for feito para o evitar.

Governo cativou 12 vezes as verbas de municípios sem plano de defesa da floresta

Entre 2018 e 2021, houve 12 processos de retenção de 20% do duodécimo das transferências do Estado para municípios sem plano de defesa da floresta contra incêndios, indica o Ministério da Coesão Territorial numa resposta à Lusa a 5 de Maio. Actualmente, três autarquias não viram ainda as verbas libertadas.

Ao longo desses três anos, as leis do Orçamento do Estado previam a retenção, no mês seguinte, de 20% do duodécimo das transferências correntes do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) para municípios que não tivessem os Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI) aprovados ou actualizados até 31 de Março. A penalização por incumprimento prevista naqueles quatro anos foi, entretanto, eliminada, não existindo nos Orçamentos do Estado de 2022 e 2023.

A tutela detalha que em 2019 "foram realizadas retenções a três municípios", tendo as verbas sido "posteriormente libertadas, após demonstração da regularização do incumprimento em causa". Em 2020, atendendo à entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística para Administrações Públicas e ao contexto da pandemia da covid-19, as retenções por incumprimento dos deveres de informação "estiveram suspensas", tendo sido retomadas em 2021, ano em que "foram realizadas retenções a nove municípios".

Nesse ano, o Ministério do Ambiente confirmou à Lusa ter cativado 123 mil euros mensais das transferências correntes para a Câmara de Torres Vedras por atraso na entrega do PMDFCI. "Actualmente, encontram-se por libertar as verbas de três municípios, sendo que as verbas dos restantes já foram libertadas, após demonstração da regularização do incumprimento", refere a Coesão Territorial, sublinhando que "cada caso de incumprimento foi analisado individualmente".

A decisão de retenção "só foi aplicada quando se entendeu que a responsabilidade não era externa ao município". O ministério não adianta, contudo, qual o montante retido em cada ano ou os municípios em que a retenção foi efectivada.

Coesão Territorial não está a preparar novas penalizações

Segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), em Setembro de 2018, cerca de um ano após os grandes fogos de Outubro que atingiram sobretudo a região Centro, eram 61 os municípios em incumprimento.

Entre eles estavam os concelhos de Castanheira de Pêra e Pedrógão Grande, onde o grande incêndio que deflagrou em 17 de Junho de 2017 fez 66 mortos, e quatro dos 14 municípios onde se registaram 49 vítimas mortais nos incêndios de Outubro do mesmo ano — Tondela, Tábua, Carregal do Sal e Arganil.

Em Junho de 2019, os dados do ICNF indicavam que 53 municípios continuavam sem PMDFCI em vigor. Já em Maio de 2020, o instituto revelava a existência de três municípios sem PMDFCI — São João da Madeira, Porto e Amadora — e referia que outros 131 tinham planos desactualizados.

Em Junho de 2021, o número de municípios sem PMDFCI ascendia a 90, sendo que, destes, 29 já tinham parecer positivo do ICNF e apenas um não tinha plano.

A Coesão Territorial, questionada sobre novas penalizações por incumprimento, disse "não estar a preparar, neste momento, qualquer tipo de penalização" para quem não tenha PMDFCI em vigor, sublinhando que os municípios "conhecem a importância de ter e actualizar estes planos".

"Penalizar financeiramente os municípios que, por variadas razões (técnicas ou legais), não conseguem concretizar e/ou actualizar os seus PMDFCI é um sinal contrário ao que se pretende. Os municípios são os primeiros interessados em cumprir essa obrigação e, na ausência desses planos, são os primeiros prejudicados", acrescenta o ministério liderado por Ana Abrunhosa. Em vez de os penalizar duplamente, o Governo, sublinha a tutela, "tem interesse em ajudar na elaboração dos planos e em perceber o que falha nos territórios em que não estão implementados".

Este instrumento de gestão do território é obrigatório para todos os municípios do continente português, tendo um período de vigência de 10 anos no caso dos planos de 3.ª geração e de cinco anos quando em causa estão PMDFCI de 1.ª ou 2.ª geração.