A noite vai durar “enquanto o Benfica quiser”, porque “quatro anos de espera é demasiado tempo”
Ainda o jogo não tinha começado e já havia adeptos eufóricos no Marquês de Pombal.
Centenas de adeptos do Benfica pintaram, desde o princípio da tarde deste sábado, as imediações da praça Marquês de Pombal, em Lisboa. Junto à rotunda, muitos adeptos, confiantes na conquista do 38.º campeonato, fundiam os tons encarnados com o púrpura das árvores, o verde dos jardins e o azul dos polícias que se organizavam em redor da zona de segurança, entre as Amoreiras e a Avenida da Liberdade.
Muitos procuravam a sombra e um lugar privilegiado com vista para o palco, a montar após o final da partida no Estádio da Luz. Enquanto as últimas pessoas deixavam a Feira do Livro, encerrada excepcionalmente às 17h, os pequenos Ângelo e Rosário, trajados a rigor, observavam, acompanhados pelos pais, as bandeiras que já esvoaçavam junto à rotunda, ao ritmo das buzinas e cânticos dos adeptos.
Ao PÚBLICO, o pai, lisboeta, Cláudio Teixeira, ainda sem saber se veria o jogo, começou por garantir que a festa é segura para os filhos, face “à organização das forças policiais”.
Sobre os alicerces da época do Benfica, Cláudio lembrou a derrota na recepção ao FC Porto, “face às semanas de menor rotação”, elegeu o norueguês Aursnes como "o melhor" do plantel, pela versatilidade e enriquecimento da transição para o ataque, e falou ainda do técnico Roger Schmidt.
“Foi capaz de blindar a equipa da influência externa, pela postura e capacidade de comunicar. Outros treinadores, como Jorge Jesus, expunham as situações do balneário, o que influenciava o foco da equipa.”
O "pós-Mundial"
O relógio aproximava-se das 17h30 quando as centenas de pessoas, já acomodadas nos jardins, bancos e muros junto à rotunda, foram obrigadas a encontrar um novo lugar para passar as horas seguintes. A PSP havia começado a operação para esvaziar do perímetro de segurança e, depois, revistar cada pessoa que participasse na festa do Benfica.
Enquanto descíamos a rua, cruzámos caminhos com Mónica Lopes. Natural do Seixal, de listas devidamente pintadas na cara, garantiu que faltava ao Benfica, “há vários anos, um treinador educado, um senhor”. Na promessa de que a noite vai durar “enquanto o Benfica quiser, porque quatro anos de espera é demasiado tempo”, a adepta disse ainda que Roger Schmidt está acima dos antecessores, uma vez que, além da postura, “percebe mais de bola”. Acompanhada pela filha e por um sobrinho, Mónica seguiu caminho, engolida pela coluna fervorosa. Mas ficamos para trás.
Entre os vários bancos de jardim e a multidão, estava o jovem David Grácio, de olhos postos no telemóvel e na transmissão da Benfica TV. “Dados ilimitados à falta de televisões”, disse o sorridente adepto, que admitiu ter um “pé atrás” antes do apito inicial.
Ao recordar os últimos meses, David argumentou que o “pós-Mundial”, e a saída de Enzo Fernandéz, quebraram o domínio do Benfica nas competições nacionais. Por isso, aproveitou para salientar a importância de Chiquinho: “Deu cartas quando o Enzo saiu e merece o reconhecimento. Poderá ficar mais um ou dois anos se for bem aproveitado.”
E sobre o futuro, David Grácio antevê a saída de Gonçalo Ramos, que, apesar dos 19 golos na I Liga, será “fácil de substituir” pela inconsistência de forma, "um pouco como o Darwin”. Mais difícil será ocupar a vaga de Grimaldo, quiçá ocupada por Ristić, sugeriu o adepto. E assim ficou, naquele banco de jardim, alienado do burburinho em redor, de telemóvel estendido nas mãos.
Mais de meio milhão esperado no Marquês
Se o ambiente antes das 18h era de festa, quando Gonçalo Ramos, ao sétimo minuto de jogo, abriu o marcador, a euforia tomou conta das ruas em redor à praça Marquês Pombal. Além de gritos dispersos dos milhares aglomerados junto aos pontos de acesso ao Marquês, também se ouviram alguns petardos, para desespero de turistas estrangeiros, que, sem conhecer os motivos da azafáma, procuravam regressar aos alojamentos ou aos carros, no interior do perímetro de segurança.
Na procura de uma esplanada apetrechada de olhares atentos a um televisor, o PÚBLICO encontrou um cantinho do Marquês, onde cerca de 70 adeptos se encaixavam num pequeno restaurante. Na pausa para um cigarro, no exterior, o grupo de Duarte Maurício e João Fragoso, vindo de Almeirim (Santarém), guardava um sorriso de orelha a orelha, refrescado por algumas cervejas, para que a voz não faltasse horas depois.
Com o 38.º campeonato benfiquista praticamente confirmado, o futuro não preocupava João Fragoso, que envergava uma camisola de Eusébio. Eventuais saídas, como de Grimaldo ou Gonçalo Ramos, podem ser colmatadas pelo húngaro Milos Kerkez, lateral do AZ Alkmaar, e pelo avançado Musa, que esta época assinou sete golos na Liga, maioritariamente proveniente do banco de suplentes.
Até meio da segunda parte, a rotunda do Marquês era um paraíso perdido na capital, silencioso, onde se escutavam e viam, ao fundo, os cânticos, as bandeiras e cachecóis dos, agora, de novo, campeões nacionais.
Depois, nos minutos que antecederam o apito final no Estádio da Luz, a praça voltou, aos poucos, a vestir-se de vermelho. Enquanto os adeptos procuravam o melhor lugar para, durante a madrugada, acompanhar o desfile dos novos campeões nacionais, o palco começou a ser montado.
Esperados, pelo menos, meio milhão de adeptos junto à praça onde equipa chegaria depois da meia-noite, não foram registados motivos para intervenção musculada das forças policiais.
Buzinas, saltos, abraços, foguetes e petardos. Quando o troféu foi erguido aos céus da Luz, a festa do Marquês soltou-se de vez.