Cessar-fogo no Sudão está a ser cumprido, mas Governo pede aos cidadãos que peguem em armas

Mais de 800 civis morreram no conflito que dura há 40 dias e muitos milhares precisam de ajuda humanitária urgente para sobreviver.

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O ACNUR calcula que mais de 332 mil pessoas tenham fugido do Sudão nas últimas semanas EL TAYEB SIDDIG/Reuters
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O mais recente acordo de cessar-fogo no Sudão, que entrou em vigor na segunda-feira, sobretudo para permitir o acesso de ajuda humanitária a zonas mais necessitadas, parece estar a ser cumprido na generalidade, disseram na sexta-feira a Arábia Saudita e os Estados Unidos, que mediaram as negociações. Apesar disso, as duas facções acusam-se mutuamente de terem violado a trégua e houve combates em Cartum e no Darfur ao longo da semana.

Ao fim de 40 dias do conflito entre o grupo paramilitar das Forças de Apoio Rápido (RSF, em inglês) e o Exército sudanês, este é o primeiro acordo de cessar-fogo a ter algum efeito prático, uma vez que os seis anteriores foram violados rapidamente.

No entanto, os combates podem intensificar-se em breve e descambar mesmo numa guerra civil, porque também nesta sexta-feira o Ministério da Defesa pediu aos militares na reserva e aos cidadãos capazes que vão buscar armas aos paióis do Exército para sua autoprotecção.

“Ainda que se tenha observado o uso da aviação militar e de troca de tiros esporádica em Cartum, a situação melhorou a partir de 24 de Maio, quando o mecanismo de monitorização do cessar-fogo detectou violações significativas do acordo”, disseram sauditas e americanos num comunicado conjunto, citado pela Reuters.

Precisamente no dia 24, quarta-feira, as RSF culparam o Exército por ter “lançado um conjunto de ataques inesperados” e garantiram “ter repelido as investidas”, inclusivamente com o abate de um caça russo MiG, ao serviço das Forças Armadas sudanesas. Estas, por sua vez, dizem que o avião se despenhou “devido a um erro técnico causado por um míssil ar-terra disparado pelas RSF”.

No centro da disputa estão desentendimentos sobre a forma como se faria a integração dos homens das RSF, uma poderosa milícia liderada por Mohamed Hamdan Dagalo, nas forças regulares do Exército, chefiado por Abdel Fattah al-Burhan. Ambas as forças estiveram do mesmo lado quando foi derrubado o ditador Omar al-Bashir em 2019, mas desde então tem crescido o clima de tensão.

As duas têm também ligações estreitas com a Rússia, que tem fornecido apoio militar ao Sudão em troca da exploração de ouro. Na sexta-feira, os Estados Unidos acusaram o grupo paramilitar Wagner, que ganhou notoriedade por estar na linha da frente na Ucrânia, de fornecer mísseis terra-ar às RSF. Ievgueni Prigojin nega estar envolvido no conflito sudanês, mas a influência da sua empresa militar em África é cada vez maior.

O principal trunfo das Forças Armadas, diz a Al-Jazeera, é a superioridade aérea, ao passo que a milícia optou por uma estratégia mais semelhante à guerrilha, escondendo-se no emaranhado urbano de Cartum.

Desde o seu começo, a 15 de Abril, a espiral de violência matou pelo menos 863 civis, incluindo pelo menos 190 crianças, segundo os dados mais recentes de uma associação médica sudanesa, citados pela Associated Press.

Na capital e nos arredores verificam-se cortes regulares na electricidade e nas telecomunicações. Um depósito de água que abastecia a região ficou danificado logo no primeiro dia de combates e centenas de milhares de pessoas ficaram sem acesso a água potável. Com temperaturas a rondar os 40ºC, muitos arriscam a vida para se abastecerem no rio Nilo enquanto a troca de tiros prossegue.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) calcula que mais de 332 mil pessoas tenham fugido do Sudão nas últimas semanas, a maioria para o Egipto, para o Chade e para o Sudão do Sul. No Chade, onde já estão cerca de 700 mil refugiados, entraram mais 90 mil sudaneses recentemente. “Quase 90% das novas chegadas são de mulheres e crianças. Com a aproximação da época de chuvas, é urgente recolocar estas pessoas nos campos de refugiados mais próximos”, sublinhou Raouf Mazou, do ACNUR.

Há ainda outras 843 mil que se viram forçadas a abandonar as suas casas e engrossaram o já grande contingente de deslocados internos (a rondar os 3,8 milhões). Estima-se que 25,7 milhões de pessoas necessitem de ajuda humanitária para sobreviver.

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