Mecanismo de prevenção critica falta de videovigilância para “salvaguardar” detidos nas esquadras
Mecanismo Nacional de Prevenção quer suspensão do uso das celas do comando da PSP de Setúbal. Nas esquadras não deve haver “tratamento menos digno” do que nas prisões, diz.
As celas existentes no comando da PSP de Setúbal não reúnem as condições mínimas para que a permanência de pessoas ali detidas seja “segura e digna”; nelas estão concentrados vários dos problemas identificados de forma mais pontual noutras instalações de detenção da PSP e, por isso, o Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP), ligado à Provedoria de Justiça, recomenda a suspensão do seu uso até que as condições sejam melhoradas.
Entre os problemas encontrados durante as visitas realizadas em 2022 pelos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção estão a inoperância de “um sistema de videovigilância capaz de registar todo o circuito seguido por pessoas detidas”, à excepção do interior das celas de detenção, e a inexistência de um sistema de alarme, ou botão de emergência, que permita à pessoa detida pedir ajuda, se necessitar de assistência.
De acordo com o Relatório Temático sobre a PSP de 2002, divulgado nesta quinta-feira, esta é para o MNP “uma salvaguarda fundamental” para prevenir situações de riscos para pessoas detidas, pelo que defende que o uso das celas sem este equipamento de alarme seja suspenso.
Prevenir acusações infundadas
A ausência de videovigilância é transversal a praticamente todos os 15 espaços visitados, e não permite “uma garantia fundamental ao tratamento adequado de pessoas detidas” e “à prevenção de alegações infundadas contra elementos das forças policiais”, entende o MNP.
Além das celas do comando distrital da PSP de Setúbal, o MNP visitou, entre outras, instalações de detenção em esquadras ou nos próprios comandos distritais ou metropolitanos de Lisboa, Porto, Barreiro, Almada, Casal de Cambra ou Coimbra.
Sobre a preocupação demonstrada com locais de detenção provisória o MNP argumenta que não deve haver vigilância apenas nas prisões. O mecanismo “não encontra fundamentos bastantes para que seja atribuído um tratamento menos dignificante a uma pessoa detida do que aquele que é garantido a uma pessoa reclusa”, declara.
Por regra, um detido é presente a autoridade judiciária no prazo máximo de 48 horas, mas existem situações em que pode permanecer no espaço de detenção por um período mais alargado, justifica.
Do ponto de vista do alojamento e da alimentação, não aponta reservas às condições na maioria dos espaços de detenção – por cumprirem, nestes critérios, o Regulamento das Condições Materiais de Detenção em Estabelecimento Policial –, mas “não pode deixar de manifestar a sua preocupação relativamente às celas do Comando Distrital de Setúbal” por não estar ali garantido o necessário “para uma detenção digna e segura”.
Aqui, “em lugar de uma janela está uma chapa metálica perfurada sobre a porta, sem sistema de fecho, nem vidro”, o que impede, por um lado, a iluminação e, por outro, a protecção do frio, descreve.
O MNP funciona desde 2013 junto da Provedoria de Justiça, cumprindo um calendário regular de visitas a locais onde estejam pessoas privadas de liberdade e fá-lo em articulação com o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes (CPT) do Conselho da Europa.
No último ano, e depois da prioridade dada aos locais de reclusão durante a pandemia, “foi intensificada a actuação preventiva junto das forças de segurança”, lê-se neste documento, que lembra que, na sequência de uma visita a Portugal em Dezembro de 2019, o relatório do CPT deu prioridade ao reforço “da protecção de pessoas detidas contra maus tratos praticados por agentes das forças de segurança”.
Desta observação recente a espaços de detenção da PSP, o MNP qualifica de problemática a falta de privacidade, quando há partilha do espaço e, mais uma vez, refere o caso de Setúbal, onde duas pessoas dormem “a poucos centímetros uma da outra em camas contíguas” (“um maciço de betão que serve de apoio a dois colchões”).
Assim, este grupo de defesa dos direitos dos detidos recomenda que “a lotação das celas colectivas apenas seja utilizada na medida em que fique assegurado o distanciamento mínimo entre as pessoas a elas alocadas”.
Tanto mais que, indica no relatório temático, presenciou situações, na Esquadra de Almada, na área de detenção temporária da Bela Vista 11 e na Esquadra de Casal de Cambra, em que a escolha de celas, possível por estarem várias disponíveis, não obedeceu a critérios de preservação da dignidade e segurança da pessoa detida.
E relata casos em que [os detidos] “foram alocados a celas com condições deficitárias – janelas partidas, falta de luminosidade ou torneiras avariadas –, apesar de estarem disponíveis outros alojamentos com melhores condições materiais”.
Detenções mais prolongadas
O MNP salienta que, de acordo com relatos recebidos de agentes policiais, “se houver decisão judicial nesse sentido”, o detido pode permanecer no espaço de detenção para além das 48h, “situação que, sendo rara, pode chegar a atingir os três ou quatro dias”, assinala este documento.
Também por isso, critica o facto de não existir, por regra, a possibilidade de os detidos terem um período de permanência a céu aberto, referindo que isso “pode ter um impacto negativo na saúde mental”, sobretudo quando as detenções se prolonguem por mais de 24 horas. E assim recomenda que seja garantido aos detidos um período mínimo de permanência a céu aberto “nunca inferior a uma hora por dia”.
Numa reacção ao argumento muitas vezes utilizado de falta de condições ou recursos por parte dos agentes policiais, o MNP rejeita que essas faltas possam legitimar “qualquer negligência quanto às condições materiais de detenção das pessoas detidas”, embora reconhecendo que queixas como a falta de papel, água quente, câmaras, bem como a degradação dos vestiários, onde, segundo as queixas, “chove lá dentro”, desmotivem os agentes policias e interfiram na sua capacidade de avaliar as condições dadas aos detidos.
O MNP implicitamente apela a uma maior atenção a estas reclamações, pois conclui que “a dignidade do espaço partilhado, tanto por pessoas detidas como por agentes de autoridade, terá influência directa na humanidade do tratamento mútuo”.
O PÚBLICO contactou a direcção nacional da Polícia de Segurança Pública para uma reacção e aguarda respostas às perguntas específicas sobre a apreciação hoje divulgada pela Provedoria de Justiça.