Há uma proteína que pode prever o risco do cancro da mama ter metástases no cérebro

Ana Sofia Ribeiro identificou uma proteína que pode prever risco do cancro da mama se espalhar para o cérebro. É a vencedora do primeiro Prémio Hologic Saúde da Mulher.

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Organóide tumoral de células com capacidade para se metastizarem para o cérebro DR
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Quando há metástases, sabemos que há células cancerosas disseminadas por outros órgãos, para além do local do tumor. Se estivermos a falar de cancro da mama que se metastizou para o cérebro, o impacto na qualidade de vida e na sobrevivência das doentes é ainda maior – daí que o diagnóstico precoce seja tão importante. Neste momento, não é possível conhecer o risco de alguém vir a ter metástases no cérebro, mas a investigadora Ana Sofia Ribeiro quer mostrar que há uma proteína com potencial para isso: esta proteína é a VGF e pode servir como sistema de alarme para identificar o risco de alguém com cancro da mama desenvolver metástases no cérebro.

Vamos recuar dois anos. Em 2021, um projecto do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto apostava na identificação de marcadores biológicos do cancro da mama que permitissem prever o futuro aparecimento de metástases. Faz lembrar alguma coisa? O projecto era liderado por Ana Sofia Ribeiro.

“Foi nesse trabalho que descobrimos a proteína VGF”, diz a investigadora do i3S ao PÚBLICO. “Identificámos algumas proteínas que estavam a ser libertadas por células tumorais e que têm capacidade de se metastizarem para o cérebro, como a VGF”, acrescenta. Esta proteína tem uma função metabólica, mas também é associada a alterações cerebrais, como acontece por exemplo em demência. Neste caso, a suspeita de Ana Sofia Ribeiro é que a proteína sirva de “molécula de comunicação entre o tumor que está na mama e o cérebro que, no futuro, terá metástases”. Ou seja, mesmo de existirem metástases, estas células já estarão em circulação.

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A investigadora Ana Sofia Ribeiro DR

Agora, com a atribuição do primeiro Prémio Hologic Saúde da Mulher, Ana Sofia Ribeiro quer confirmar que esta proteína pode antecipar o risco de desenvolvimento de metástases no cérebro e, depois, perceber se com uma recolha de sangue é possível avaliar o risco desta metastização através da presença (ou não) da proteína VGF. Para já, a identificação a partir do sangue ainda é difícil, uma vez que os exames ainda não são específicos o suficiente e, a par das células tumorais, existem as células normais na corrente sanguínea.

O prémio será atribuído esta quinta-feira, na Culturgest, em Lisboa, e reconhece o trabalho científico com contributo para a saúde das mulheres com um apoio financeiro de 12 mil euros.

Como podemos bloquear esta proteína?

“O cancro da mama metastiza-se com muita frequência para o osso, pulmão e fígado, e no cérebro acontece em cerca de 10% dos casos. Mesmo assim, é o órgão metastático que tem um impacto mais negativo na sobrevida das doentes. A partir do diagnóstico, a média da sobrevida anda entre os seis e os oito meses, enquanto nos outros órgãos conseguimos controlar melhor a progressão da doença”, contextualiza Ana Sofia Ribeiro.

A investigadora do i3S não pretende apenas ter uma avaliação de risco através de biópsias líquidas (a recolha de sangue). Além de confirmar que a proteína VGF antevê a metastização para o cérebro, Ana Sofia Ribeiro quer tentar perceber melhor o papel que esta proteína tem na barreira hematoencefálica – e como isso permite que as células tumorais invadam o cérebro.

A barreira hematoencefálica serve de porteiro do nosso cérebro e decide o que passa e não passa – incluindo células tumorais ou os fármacos para tratar as metástases.

“Já vimos em trabalhos de laboratório e em modelos animais que a presença desta molécula [a proteína VGF] afecta a barreira hematoencefálica. Para as células tumorais serem capazes de sair da corrente sanguínea e se alojarem no cérebro, esta barreira tem de ficar mais permeável”, indica. “Quando adicionávamos esta molécula [numa experiência em laboratório], a barreira hematoencefálica ficava mais permeável, o que nos mostra que pode haver uma comunicação inicial, permitindo que a barreira se abra um pouco e facilite a entrada de células tumorais no cérebro”, aponta a cientista portuguesa.

Tanto a avaliação de risco como o papel da proteína na abertura da barreira hematoencefálica são passos fundamentais quer na prevenção quer na criação de futuros tratamentos. Se, por exemplo, percebemos que a proteína VGF prevê a metastização e também enfraquece a barreira do nosso cérebro, o próximo passo será encontrar alternativas que bloqueiem a acção da proteína VGF – para que a barreira se mantenha impenetrável.

“É um local metastático onde há menos alternativas terapêuticas que sejam eficazes”, admite Ana Sofia Ribeiro. Ao longo dos próximos dois anos, a investigadora do i3S vai trabalhar com 70 a 80 pessoas para compreender como as metástases surgem no cérebro em doentes com cancro da mama e descobrir o papel da proteína VGF nestes casos de metastização.

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