De novo a fusão: o Instituto Gulbenkian de Ciência e o Instituto de Medicina Molecular

A Universidade de Lisboa permanece alicerçada nas duas universidades extintas. Serve este exemplo de mote à discussão pública que importaria desencadear sobre a extinção de dois institutos de elite.

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Através do PÚBLICO, ficámos a saber da extinção do Instituto de Medicina Molecular (IMM) e do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), sob a iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), com o objetivo de criar um instituto de biomedicina de dimensão europeia. Tal como para António Rendas, o projeto suscita um sentimento de déjà vu.

Há cerca de uma década, as universidades Clássica e Técnica desencadearam um projeto de fusão, para criar uma “instituição de referência no mundo”, com supostos ganhos ao nível financeiro, de produção científica, da formação académica, de expansão da rede de investigação e nos rankings. O projeto foi discutido com base num documento genérico (“Uma nova Universidade de Lisboa”), aprovado pelos órgãos das duas instituições, seguido da criação de grupos de trabalho, para sustentar a decisão tomada. Se a ideia de fusão era interessante, a sequência procedimental (decidir primeiro, estudar depois) revelou-se até hoje fatal para uma opção desta envergadura.

A Universidade de Lisboa permanece alicerçada nas duas universidades extintas, com ofertas educativas incoerentes e concorrentes, fracas sinergias no ensino e investigação entre as faculdades, um corpo docente envelhecido e diminuta unidade – potenciadora de movimentos como o que surgiu recentemente no Instituto Superior Técnico (IST), defensor da saída deste da Universidade de Lisboa.

Os resultados positivos de produção científica, visíveis no ranking de Leiden, derivam do trabalho de faculdades e centros de investigação e não da fusão. A Universidade de Lisboa não se afirmou “no mundo”, como prometido: beneficiou da subida automática nos rankings consequente da fusão, mas está em queda desde 2018 no ranking da Times Higher Education e, mais recentemente, no ranking de Xangai, em sentido inverso à Universidade Católica, que se vem destacando.

No plano financeiro, poupou-se, como assinalou o então reitor Cruz Serra, mas pouco foi feito quanto a novas fontes de financiamento: a Universidade de Lisboa conta com notáveis e bem colocados antigos alunos, mas foram a Nova – com o campus de Carcavelos, financiado por empresas, fundações e particulares – e a Católica – com o campus Veritati, financiado pelo Grupo Mello – que ganharam esse campeonato.

Serve este exemplo de mote à discussão pública que importaria desencadear a propósito da extinção de duas unidades de investigação de elite em Portugal para a criação do almejado “instituto de biomedicina de dimensão europeia”.

Fundado em 1961, o IGC dispõe de perto de 300 investigadores, de mais de 40 nacionalidades, dezenas de estudantes de mestrado e doutoramento; é referência ao nível dos projetos de investigação, das publicações, prémios e financiamento, constituindo uma das principais obras da FCG para a ciência; foi já considerado local de referência para os investigadores americanos trabalharem fora dos EUA. Com fundação mais recente, no início do milénio, o IMM é um destacado centro de investigação biomédica, com mais de 500 investigadores, 30 grupos de investigação, de 23 nacionalidades distintas, estudantes de mestrado, doutoramento e pós-doutoramento, uma histórica articulação com a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e reconhecimento premiado dentro e fora de portas.

Ora, convém ter presente que a extinção do IGC e do IMM poderá aqui significar a anulação das linhas de investigação, do acquis e da diversidade científica dos dois institutos – distintos, mas em ambos os casos com provas dadas – em prol de um projeto tão ambicioso quanto incerto. Com efeito, estamos perante raras instituições para a ciência em Portugal, sob extinção acelerada e opaca.

Seria, pois, de salutar que pelo menos a Universidade de Lisboa desencadeasse a discussão da extinção do IMM – de que é associada – na comunidade científica e órgãos da universidade. E que a FCG, fórum e laboratório de ideias do país, desse o exemplo de apresentar publicamente o seu projeto (de interesse nacional), respondendo às reservas de destacados alumni do IGC, bem como à disponibilidade de outras universidades para participarem no tema.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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