Exploração de petróleo no rio Amazonas instala tensão política no Brasil. Porquê?

Porque a empresa petrolífera estatal Petrobras viu negado o pedido para perfurar a foz do rio Amazonas? E quais são os impactos políticos da decisão do instituto brasileiro que protege o ambiente?

Foto
Getty Images
Ouça este artigo
--:--
--:--

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

O Instituto Brasileiro do Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou o pedido da empresa petrolífera estatal Petrobras para perfurar a foz do rio Amazonas, no Brasil. E esta decisão pode desdobrar-se em novos capítulos.

Uma vez anunciada a recusa, Randolfe Rodrigues, o líder no Congresso Nacional do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, optou por deixar a Rede, partido da ministra do Ambiente, Marina Silva. Randolfe é um dos defensores do projecto de exploração de combustíveis fósseis.

A decisão teve ainda repercussões dentro do governo. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, entende que a empresa estatal não deve desistir. A Petrobras, por sua vez, anunciou sexta-feira que está a analisar o pedido da tutela para que se insista nos estudos e na exploração de petróleo na foz do Amazonas. Compreenda a importância e as possíveis consequências do caso com estas cinco perguntas e respostas.

O que está em causa?

Um parecer interno do instituto brasileiro do ambiente, assinado dia 20 de Abril, recomendou que fosse declinada a licença ambiental para a Petrobras explorar petróleo na foz do rio Amazonas. Trata-se de um sistema fluvial, com quase sete mil quilómetros, que percorre o norte da América do Sul, a floresta amazónica e desagua no oceano Atlântico.

O documento está em consonância com a análise da equipa técnica do instituto, que concluiu serem necessárias informações complementares e providências adicionais para o prosseguimento do processo de licenciamento ambiental.

Na última quarta-feira, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, acompanhou o parecer e negou o pedido da companhia petrolífera. Não restam dúvidas de que foram oferecidas todas as oportunidades à Petrobras para sanar pontos críticos do projecto, mas que este ainda apresenta inconsistências preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental.

Em resposta, a Petrobras afirmou que todos os recursos mobilizados no Amapá e no Pará para a realização da Avaliação Pré-Operacional (simulado para testar os planos de resposta à emergência) foram feitos estritamente em atendimento a decisões e aprovações do Ibama.

Porque é que o pedido da petrolífera foi negado?

O instituto brasileiro dedicado ao ambiente afirma que os planos apresentados pela empresa são insuficientes para garantir a segurança do projecto. O Ibama argumenta ainda que não foi entregue uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), um estudo que analisa se a região (e não apenas a zona específica da perfuração) está ou não preparada para ser explorada, considerando características ambientais.

O Ibama refere também que o pedido estava incompleto no que toca a aspectos como o plano de protecção à fauna ou o plano de comunicação social para as comunidades indígenas. Segundo uma nota técnica do instituto, houve a constatação de impactos ambientais não previstos no estudo de impacto ambiental e sem medidas mitigadoras elaboradas de forma fundamentada e passíveis de verificação de efectividade.

Outro ponto que contribuiu para a recusa foi o tempo de resposta em caso de eventuais desastres. Embora a Petrobras tenha proposto a mobilização de helicópteros e embarcações de apoio em caso de derrame de petróleo, a base de operações fica em Belém (estado brasileiro do Pará), a 830 quilómetros do poço que se pretende construir. Seriam necessárias 43 horas para uma embarcação sair de lá e chegar ao local de perfuração.

Segundo o Ibama, a região da foz do rio Amazonas é de extrema sensibilidade socioambiental por possuir unidades de conservação, terras indígenas, mangues e grande biodiversidade marinha.

O que diz a petrolífera?

A Petrobras argumenta que a fase de perfuração é apenas preliminar, de curta duração e para averiguar a existência de uma reserva no subsolo. A empresa defende que, como os impactos ambientais aconteceriam apenas nas fases seguintes da operação — como na instalação de bases e na própria extracção do petróleo —, tais danos ambientais não deveriam ser considerados neste momento do licenciamento.

Também reitera que o tal documento relativo à área sedimentar (a AAAS) não é uma parte obrigatória do licenciamento ambiental e que foram realizados outros estudos de impacto para a região. Diz ainda que as descobertas feitas durante a etapa de perfuração podem ajudar a complementar “as lacunas de informação.

Quais são os próximos passos?

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, pediu à Petrobras para reiterar a solicitação ao Ibama, envidando todos os esforços necessários ao atendimento das condicionantes e comprovação da adequação do projecto para a prospecção segura e sustentável da área.

Silveira solicitou ainda que a empresa mantenha a sonda e demais equipamentos necessários para o teste mobilizados na foz do rio Amazonas. A estrutura está na região desde 18 de Dezembro de 2022 e, com o chumbo do Ibama, a companhia estatal considerou transportá-la para actividades em bacias no Sudeste do Brasil.

Na sexta-feira passada, a Petrobras afirmou que estava a analisar o pedido do Ministério de Minas e Energia e que segue comprometida com o desenvolvimento da margem equatorial brasileira, reconhecendo a importância de novas fronteiras para assegurar a segurança energética do país e os recursos necessários para a transição energética justa e sustentável.​

Qual é o impacto político da decisão do Ibama?

A decisão do Ibama foi comemorada por entidades ligadas à agenda climática e foi considerada uma vitória do Ministério do Ambiente, liderado por Marina Silva. Por outro lado, contrariou as expectativas da Petrobras, do Ministério de Minas e Energia e do líder do governo Lula no Congresso, Randolfe Rodrigues.

Senador eleito pelo estado brasileiro do Amapá, Randolfe Rodrigues vê no empreendimento uma oportunidade de geração de empregos e crescimento económico para a unidade federativa que representa e, por isso, deixou de estar filiado ao Rede, partido da ministra Marina Silva. A decisão de deixar o Rede foi anunciada menos de 24 horas após o instituto recusar a licença. O senador afirma que vai reunir com outras instâncias do governo federal para lutar contra a decisão.


Exclusivo PÚBLICO/Folha de São Paulo

Nota da secção: o PÚBLICO respeitou o essencial da composição do texto original, adaptando ao antigo acordo ortográfico, substituindo algumas palavras ou expressões não usadas em português de Portugal e fazendo alguns ajustes para garantir a fluidez da leitura.

O projecto Planeta em Transe da Folha de São Paulo é apoiado pela Open Society Foundations.

Sugerir correcção
Comentar