Críticas a Costa marcam mensagens do cortejo da Queima das Fitas de Coimbra
A falta de condições laborais, os baixos salários e a crise da habitação foram alguns dos temas recorrentes nos carros alegóricos da academia de Coimbra.
A vasta maioria dos 90 carros de curso que desfilam esta terça-feira no cortejo da Queima das Fitas de Coimbra optou por exibir mensagens políticas.
O boneco de António Costa esteve na dianteira de muitos dos carros alegóricos que saíram esta terça-feira da Alta de Coimbra, com o primeiro-ministro nos mais variados preparos: a tocar uma flauta para "encantar" o Zé Povinho, a andar com um burro à trela ou de mão dada com o ministro das Infra-estruturas, João Galamba, em cima de um túmulo onde estavam "enterradas" Alexandra Reis e Christine Ourmières-Widener.
Ao contrário de anos recentes, onde as mensagens de cariz sexual, imagens fálicas e trocadilhos prosaicos dominavam a narrativa do cortejo, este ano, nas laterais da maioria dos carros adornados de flores com as cores dos cursos ou das faculdades estiveram presentes mensagens sobre a falta de condições laborais e salariais num futuro próximo, a crise da habitação, ou a perspectiva de emigração como solução para arranjar trabalho.
"O nosso curso tem uma licenciatura que não é fácil, investimos tanto na nossa formação e depois o mercado de trabalho oferece-nos uma remuneração que é baixa. É frustrante", disse à agência Lusa Tomás Neves, estudante de 20 anos de Contabilidade e Auditoria no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra.
Mariana e Margarida, estudantes do 5.º ano de Medicina, estão num carro que tem como nome "Indestino del Gado", numa referência à falta de perspectivas de futuro e aos novos médicos serem tratados como "gado".
"A perspectiva de futuro não é muito alegre e então tentamos criticar, seja as vagas, as perspectivas de trabalho, o método de ensino ou a abertura de cursos no privado", contou à Lusa Margarida, de 23 anos.
"Temos de falar do que está mal. Este é um dia de festa, mas que não seja só para falar das flores [que adornam e decoram os carros com as cores dos cursos]. É preciso falar dos problemas", vincou Mariana, de 22 anos.
"Oh Costa, não devíamos aumentar os salários médios? Oh Marcelo, olha para o céu que está tão bonito", "Estudamos como desesperados, trabalhos como burros e recebemos como escravos", "Tantumefaz [referência ao elixir Tantum] o destino final, qualquer um é melhor que Portugal" e "Costa a ganhar milhões, enfermeiros a contar tostões" foram algumas das frases que se podiam ler nos carros que passavam em ruas cheias de estudantes, familiares e visitantes.
Também o carro de Educação Básica da Escola Superior de Educação de Coimbra decidiu dar voz aos problemas dos futuros professores, cujo "futuro é muito incerto", notou Luísa, de 20 anos. Em Enfermagem, Bárbara, estudante do 3.º ano, tece o mesmo cenário.
"O futuro é imprevisível e muitos pensam logo em ir para fora. Houve agora uma feira de emprego e era só agências especializadas na emigração. O Estado investe tanto na nossa formação e depois não nos segura cá", criticou a estudante de um carro que pergunta "onde estão os aplausos" aos profissionais da saúde depois de a pandemia ter acabado.
Pelo cortejo houve também críticas mais locais, nomeadamente dirigidas à Câmara de Coimbra. A autarquia foi acusada acusada de preferir os Coldplay à festa dos estudantes, já que os concertos obrigaram o cortejo a decorrer a uma terça-feira em vez do já habitual domingo.
O carro de Arquitectura, que tradicionalmente nunca leva flores, fazia uma alusão aos problemas do seu próprio departamento, em que há muito se reclama por obras estruturais num edifício degradado e "sem condições", explicou à Lusa a estudante Eva Castro: "A estrutura é frágil, não tem tecto e parece quase partida, tal como o edifício do departamento."
Este ano o cortejo, para além de ser a uma terça-feira, em vez de acontecer ao domingo, teve um percurso ligeiramente diferente na Baixa da cidade, face às obras do Sistema de Mobilidade do Mondego, estando previsto terminar na Guarda Inglesa, na margem esquerda do rio Mondego.