Nós pedimos, tu respondeste: qual foi a pior coisa que o teu senhorio já te fez? Entre visitas sem avisar, imóveis arruinados ou cortes de electricidade por falta de pagamento, seleccionamos alguns depoimentos e mostrámo-los a uma advogada.
Afinal, o meu senhorio pode ter uma chave de casa? E se o tecto cair e ele não quiser arranjar, o que posso fazer? Leonor Caldeira dá algumas dicas.
O meu senhorio pode ter uma chave de casa? Pode entrar sem avisar? Como posso proceder numa situação deste género?
Sim, o senhorio pode ter uma chave da casa de que é proprietário, mas, “se existir um contrato de arrendamento, as regras para ter acesso à sua propriedade são restritas”, começa a advogada.
No que diz respeito às visitas, elas podem figurar no contrato — “em quantidade e horários razoáveis”. Se for esse o caso, a regra é obedecer. O contrato não pode, no entanto, “prever regras não razoáveis, como o direito a ‘visitas surpresa’ sem restrições de horário, sob pena de nulidade da cláusula”, refere Leonor Caldeira. Aliás, as visitas surpresa são “contrárias à lei”.
E se o contrato nada disser sobre visitas? Nesse caso, aplica-se o que diz a lei: o senhorio só pode ter acesso ao imóvel “durante o período de três meses que antecedem o fim do contrato e a desocupação” do arrendatário. Neste caso, “senhorio e arrendatário devem acordar o horário da visita”. Se isso não for possível, diz a lei que as visitas podem acontecer entre as 17h30 e as 19h30 dos dias úteis, e as 15h e as 19h ao fim-de-semana.
Em situações como as acima descritas, em que o inquilino está de roupa interior, ou em pijama — e, mais ainda, o senhorio chega acompanhado —, “esta intromissão é capaz de criar sentimentos de humilhação e sensação de violação da sua intimidade e vida privada”. Tentar resolver com uma “conversa amigável” pode ser útil mas, caso tal não seja possível, “o arrendatário pode, por exemplo, tentar pedir uma indemnização por danos morais ao tribunal ou julgado de paz competente (as taxas de justiça são mais reduzidas e o processo é tendencialmente mais célere), não sendo obrigatória a constituição de advogado em pedidos até cinco mil euros (embora seja recomendado)”, conclui.
O que posso fazer?
Os “encargos e despesas com o imóvel” podem ser acordados entre as partes. Se o contrato disser que o pagamento das despesas deve ser feito pelo senhorio, e isso não for cumprido, os inquilinos poderão ser “indemnizados pelos danos eventualmente sofridos”. O pedido de indemnização pode ser feito num tribunal ou julgado de paz.
O senhorio pode exigir-me um pagamento por visita?
Sim — desde que “estas regras estejam previamente definidas no contrato”. Se não estiverem, o inquilino pode “legitimamente, recusar-se a pagar”.
Posso exigir contrato?
“Quando se fala informalmente em ‘fazer contrato’, a maioria das pessoas refere-se a registar o contrato de arrendamento junto da Autoridade Tributária (AT) e à emissão dos recibos de renda”, começa por explicitar Leonor Caldeira. Esse registo dá origem ao pagamento de imposto e, por isso, muitos senhorios aumentam o valor da renda para amortecer o que terão de pagar de impostos (é a isso que se referem quando dizem que “o valor da renda irá subir”) — ainda que “a definição do valor da renda esteja na inteira disponibilidade do senhorio”.
Não declarar o arrendamento de um imóvel à AT pode até "constituir prática de um crime de fraude fiscal, caso o imposto em falta seja igual ou superior a 15 mil euros por declaração”.
Já “a omissão ou inexactidão de dados na declaração de IRS”, como é o caso da não declaração de rendimentos de arrendamento, “é considerada evasão fiscal e punível com coimas entre 375 e 22.500 euros para pessoas singulares ou 750 e 45.000 euros para pessoas colectivas”.
Denunciar esta irregularidade às Finanças pode levar à celebração de um contrato, mas também pode “azedar” a relação com o senhorio, refere a advogada. Por isso, “poucos arrendatários o fazem”.
A quem competem as obras nos imóveis? Que intervenções devem ser pagas por mim? E se o senhorio se recusar a fazer as obras a que está obrigado?
Em primeiro lugar, há que ter em conta que o arrendamento urbano só pode ser feito em locais com “licença de utilização”, que estejam aptos para fim habitacional. Se for feito um contrato de arrendamento para fins habitacionais de um imóvel que não tem aquela licença, esse contrato é nulo, e o arrendatário “pode pedir a declaração de nulidade do contrato a um tribunal, acompanhada de uma indemnização pelos danos eventualmente sofridos”.
Quanto às “obras ou reparações indispensáveis à segurança e conforto da habitação”, de acordo com a lei, são “da inteira responsabilidade do senhorio” e devem, por isso, ser pagas por ele. Mas, salvaguarda a advogada, “o contrato de arrendamento pode prever uma regra diferente”.
No caso concreto de um tampo de sanita, por exemplo, esta é “uma obra de conservação ordinária”: segundo a lei, devia ser paga pelo senhorio, sendo que, “aplicando-se o disposto na lei e não prevendo o contrato regra diferente, a recusa em pagar os 25 euros seria legítima”.
A reparação de um tecto, por exemplo, “é uma obra de conservação extraordinária”. Segundo a lei, também ela é responsabilidade do senhorio. No caso de o senhorio não resolver a situação, o inquilino pode “cessar o contrato de arrendamento e exigir a devolução imediata de quantias pagas a título de caução”.
Outra opção é pedir, através de carta registada com aviso de recepção, autorização ao senhorio para fazer obras. Caso o senhorio autorize, estas obras, que seriam “da sua responsabilidade” devem ser reembolsadas ao inquilino.
No caso de um tecto que caiu, ou obras igualmente urgentes, se o inquilino tiver disponibilidade financeira, pode proceder à realização das obras sem autorização prévia do senhorio — “basta uma comunicação escrita ou oral acerca da realização das mesmas”, sendo que se mantém “o direito a exigir ao senhorio a devolução dos montantes pagos”.
Se o reembolso não for feito, o inquilino pode “iniciar uma acção judicial pela cobrança destes valores”. É importante reunir provas: por exemplo, fotografias do antes e depois do imóvel; da autorização prévia ou da comunicação; das despesas (facturas).