Morreu Pete Brown, poeta da contracultura que pôs o sol no amor dos Cream

Letrista que acabou por se tornar também vocalista noutras bandas ajudou a desenhar as paisagens imaginadas nas pautas de Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker.

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Pete Brown em palco em 2005 Shu Tomioka/WikiCommons
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"In the white room with black curtains near the station”; “It's getting near dawn / When lights close their tired eyes”: assim começam White Room e Sunshine of Your Love, dois dos temas mais emblemáticos dos Cream e da banda-sonora oficial dos anos 1960 e da contracultura. O seu autor, o poeta e letrista britânico Pete Brown, morreu sexta-feira aos 82 anos devido a “vários tipos de cancro”.

A notícia da morte de Brown, que estava doente há alguns anos, foi dada pela família de Jack Bruce, o já falecido baixista dos Cream (morreu em 2014) e seu amigo e colaborador de grande data, no sábado ao final do dia. “Estamos profundamente tristes por saber da morte do amigo de longa data de Jack e seu parceiro de escrita, Pete Brown, que morreu ontem [sexta-feira] à noite. Enviamos as nossas sinceras condolências à mulher de Pete, Sheridan, e aos seus filhos e toda a sua família e amigos”. Um post na sua página oficial na rede social Facebook confirmou também o óbito.

As letras dos Cream, como as de White Room, Sunshine of Your Love ou Dance the Night Away, mas também I Feel Free, um dos mais comerciais temas da banda, têm um certo elemento de fascínio para muitas gerações de ouvintes, como confirma o diário britânico The Guardian no obituário de Brown. Onde é esse lugar onde o sol nunca brilha? Como conseguiu Brown dar a volta ao reconhecível riff de guitarra que homenageia directamente Jimi Hendrix e dificultou tanto a escrita de um primeiro verso para o acompanhar?

Para uma delas, há uma resposta. "It's getting near dawn / When lights close their tired eyes", lá se fixou depois de muitas horas de trabalho entre Bruce e Brown que desembocaram precisamente na madrugada. Da janela do apartamento em que se encontravam o sol nascia e a frase surgiu-lhe na boca e depois foi para o papel. Assim, e com um riff de um Bruce já exausto, se encetava uma das mais populares viagens do rock psicadélico dos “sixties”, para o qual Clapton também contribuiria.

Os Cream são vistos como o primeiro supergrupo da história do rock, juntando o guitarrista Eric Clapton, o baixista Jack Bruce e o baterista Peter “Ginger” Baker, vindos de outros grupos (os Yardbirds de Clapton, a Graham Bond Organisation de Baker) e unidos em 1966 como banda de curta duração (a sua actividade durou apenas dois anos) mas importância indiscutível da cena musical dos anos 1960. Jack Bruce era o grande letrista da banda, mas se por um lado tinha uma volátil e tempestuosa relação com Baker (como recordava o PÚBLICO quando da morte de Baker, o baterista chegou a ameaçar Bruce com uma faca antes de um concerto), que levaria no fundo ao fim do grupo, formou uma amizade para a vida com Brown.

Peter Ronald Brown nasceu no dia de Natal de 1940 em Ashtead, uma localidade no Surrey inglês. Afirmou-se como poeta desde tenra idade e mais tarde começou a aliar a sua escrita à música, criando a First Real Poetry Band com nomes relevantes do jazz britânico e chamando assim a atenção dos Cream.

Começaria a escrever com Baker mas identificava-se mais com o estilo de Bruce, que também era vocalista do grupo. Tanto que depois do fim dos Cream, a dupla continuou a trabalhar durante décadas.

“Pete era um grande escritor de canções. Sempre que as letras se repetem na minha cabeça, as imagens ficam comigo”, diz o cineasta Martin Scorsese no trailer de um documentário sobre Brown que ainda não se estreou, citado pelo diário britânico The Guardian.

Pete Brown, como assinala a agência Associated Press, operava no mesmo circuito que o grande poeta da “beat generation” Allen Ginsberg (partilhou o palco com ele em 1965 no Royal Albert Hall) e que o comediante, poeta e dramaturgo irlandês Spike Milligan (forte influência dos Monty Python, por exemplo). Depois do fim dos Cream, continuou a escrever letras para o trabalho a solo de Bruce e descobriu a sua voz de cantor. Teve inúmeras bandas, continuando a navegar as águas do blues, do jazz e do psicadelismo, também foi argumentista e colaborou no álbum de 2017 dos Procol Harum.

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