Procriação medicamente assistida: uma realidade (des)igual?

A compreensão da vivência deste processo por casais de mulheres é importante. Não podemos continuar a fazer de conta que estamos a falar de uma realidade igual para todos.

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Megafone P3: Procriação medicamente assistida: uma realidade (des)igual? Mikhail Nilov/Pexels
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Ao longo dos anos, consequência da evolução da sociedade, há uma série de fenómenos que têm vindo a ganhar um maior destaque, como é o caso da procriação medicamente assistida dos casais compostos por mulheres que desejam ter filhos.

Neste sentido, os casais de mulheres sofrem de desafios acrescidos em comparação com os casais heterossexuais, obrigando-os a ser “criativos” para alcançar o seu grande sonho — alcançar a parentalidade.

O desejo de ter um filho é um fenómeno complexo por si só, envolto em inúmeros desafios e que resulta de um desenvolvimento pessoal com múltiplos factores, independente do sexo e do género, estratificação socioeconómica e cultural, constituindo-se como uma etapa importante pós-estruturação do casal para que possam aumentar a família.

Entre as tentativas de adopção, inseminações caseiras e tentativas de acesso a técnicas de procriação medicamente assistidas (PMA) noutros países, a construção de família para os casais compostos por mulheres sempre foi um desafio acrescido.

A crescente diversidade familiar, o avanço da ciência e as conquistas ao nível dos direitos das minorias sexuais culminaram em importantes transformações no que diz respeito ao acesso a estruturas sociais diversificadas, mas também proporcionam uma sensação de segurança e de protecção, que nem sempre está assegurada.

Em Portugal foi com a publicação da lei n.17/2016, de 20/06 que todas as mulheres, independentemente do estado civil e orientação sexual, passaram a ter acesso aos tratamentos de PMA (art.º 6.º). Contudo, não basta uma lei para mudar mentalidades nem o modo como olhamos para estas questões e, apesar de Portugal ser, de facto, progressista nestas matérias, será que existem estruturas realmente preparadas para responder a esta realidade e necessidade?

Para as mulheres que se encontram neste processo e excluindo, desde já, a existência de problemas de fertilidade (que, por si só, acarreta níveis elevados de sofrimento emocional e/ou psicológico), a vivência do processo é, muitas vezes, descrita como desafiadora, exaustiva e esgotante sob vários pontos de vista. Não obstante, a tentativa de concepção exige a tomada de decisões bastante complexas.

Por conseguinte, optar por um serviço público é um processo moroso. Em 2021, o tempo médio de espera rondava os três anos, tendo havido pouca ou nenhuma melhoria até então. Isto deve-se não só ao aumento da procura, mas também ao facto de o banco público de gâmetas apresentar dificuldades na angariação de dadores.

Relativamente à selecção do dador, no serviço público, encontra-se limitada às características físicas das mães, não havendo envolvimento nessa escolha. Por outro lado, optar pelo serviço privado oferece uma multiplicidade de opções personalizadas, mas requer um esforço financeiro que muitas mulheres não têm capacidade de suportar.

Vivendo nós num contexto social que, muitas vezes, não reconhece a identidade sexual e a estrutura familiar destas mulheres, quem é que protege os seus direitos? Muitas mulheres optam por não partilhar com ninguém que estão neste projecto e procuram estes serviços sozinhas, de forma a não correrem o risco de lhes ser negada a oportunidade de realizar os tratamentos.

Por vezes, preferem viver experiências de "heterossexismo" (assumir que a heterossexualidade é a norma na sociedade), de lesbofobia (preconceito e discriminação contra mulheres lésbicas) e bifobia (aversão ou a discriminação contra bissexuais), por parte dos prestadores de cuidados de saúde em detrimento de não realizarem o seu sonho.

Vivenciam, então, um processo invisível e solitário quando se encontram num momento de elevada vulnerabilidade, em acréscimo ao facto de inúmeras vezes viverem escondidas da sociedade, da família, dos amigos e colegas de trabalho, o que tem um grande impacto na sua saúde psicológica.

A compreensão da vivência destes processos por casais de mulheres é importante, não só para que os profissionais de saúde compreendam quais as suas necessidades, mas para que possam proporcionar o apoio necessário e mais bem adaptado. Não podemos continuar a fazer de conta que estamos a falar de uma realidade igual para todos.

São necessárias mais respostas, maior sensibilização e formação dos profissionais de saúde para estas matérias, maior envolvimento e acompanhamento por parte de profissionais de saúde mental, sendo impreterível dar voz e espaço a estas mulheres. O direito, a ciência, as tecnologias continuam a avançar e a transformar-se de forma radical, indo além daquilo que alguma vez consideramos possível, mas até quando iremos continuar a fechar os olhos e ficar aquém das respostas necessárias?

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