Borboletas surgiram na América há 100 milhões de anos, quando as traças quiseram voar de dia
As borboletas surgiram há 100 milhões de anos e rapidamente se espalharam por várias zonas recônditas do globo – mas demoraram algum tempo a chegar à Europa. E isso ainda tem efeito nos dias de hoje.
Foi há muito, muito tempo: há cerca de 100 milhões de anos, algumas traças trocaram a noite pelo dia e começaram a voar à luz do sol – foi a partir daí que todas as borboletas se desenvolveram. Um grupo de cientistas (parte deles da Universidade da Florida, nos EUA) juntou-se há quase dez anos para descobrir onde é que surgiram e voaram essas primeiras borboletas. Resposta: foi onde é hoje a América do Norte e América Central.
“Não sabemos a que se assemelhava essa primeira borboleta, mas inferimos que poderiam ser encontradas na América do Norte e América Central e que se alimentavam de leguminosas”, explica ao Azul o autor principal do estudo, Akito Y. Kawahara, por email. As conclusões foram publicadas esta segunda-feira na revista científica Nature Ecology & Evolution.
Há 200 milhões de anos, o supercontinente Pangeia (que aglomerava aquilo que é hoje a Eurásia, as Américas, África, a Antárctida, a Austrália e a Índia) começou a desagregar-se e deu origem a outros supercontinentes, incluindo a Laurásia – que incluía a actual América do Norte e América Central, e também a Eurásia. Essa região estava separada por mar daquilo que é hoje a América do Sul. À luz da teoria da tectónica de placas e da deriva continental, esses supercontinentes foram-se fragmentando até à configuração dos continentes que temos hoje.
Depois de algumas traças iniciarem a sua evolução para borboletas, espalharam-se por esse mundo. As borboletas chegaram até à Índia, mesmo sendo na altura uma ilha isolada, e também à região que hoje corresponde à Austrália, então agregada àquilo que viria a ser a Antárctida. “É possível que as borboletas tenham vivido na Antárctida quando as temperaturas eram mais elevadas, fazendo o seu caminho até à Austrália antes de as duas massas de terra se separarem”, lê-se no comunicado que acompanha o estudo.
A história detalhada no estudo mostra que algumas borboletas se espalharam pelo globo e outras se mantiveram na mesma região. “Ficaram paradas num sítio enquanto os continentes, montanhas e rios se movimentavam à sua volta”, refere poeticamente o comunicado.
A chegada à Europa
Só depois de terem permanecido na Ásia Oriental durante uns 45 milhões de anos (coisa pouca) é que estes insectos decidiram migrar para a Europa. Os cientistas não conseguiram identificar o motivo para esta “pausa”, mas os seus efeitos perduram até hoje. “A Europa não tem muitas espécies de borboletas quando comparada com outras partes do mundo”, explicou Akito Kawahara, citado no comunicado. “Muitas das borboletas que existem na Europa também podem ser encontradas na Sibéria e na Ásia, por exemplo.” Segundo o estudo, as primeiras a chegar à Europa terão sido antepassados das borboletas Nymphalini, incluindo as borboletas Aglais, Nymphalis e Polygonia.
Actualmente, existem mais de 18 mil espécies de borboletas em todo o mundo (diurnas; as borboletas nocturnas são mais de 180 mil), mas na Europa são só cerca de 500 espécies de borboletas diurnas e 10 mil nocturnas. Em Portugal, são cerca de 140 espécies diurnas (e 2600 espécies de traças).
A análise mostra que o aparecimento destes insectos coloridos aconteceu há mais de 100 milhões de anos e que todas as famílias de borboletas (só há uma excepção) já existiam antes da grande extinção do Cretáceo-Paleógeno (K-Pg). Os investigadores dizem que as borboletas devem ter seguido o exemplo das abelhas, que se pensa terem surgido há cerca de 125 milhões de anos. Como as abelhas são capazes de ver cores (tirando o vermelho), permitiram às plantas com flores coloridas que se desenvolvessem, já que as abelhas são insectos polinizadores e ajudam as plantas na sua reprodução. “Pensamos que isto levou à evolução cromática das flores”, explica Akito Kawahara. “Algumas traças, que se tornaram diurnas, aproveitaram essa oportunidade [podendo alimentar-se de néctar] – e transformaram-se em borboletas.”
Para esta análise, os investigadores usaram ADN de borboletas, “obtido de espécimes de museus por todo o mundo”, refere Akito Kawahara, investigador e curador do Centro McGuire para Lepidópteros e Biodiversidade, na Florida.
Depois, usaram também fósseis para determinar a época em que se deu a evolução das borboletas e compararam o trajecto entre as borboletas que existem hoje e aquelas que existiam há milhões de anos. Sem a presença de “11 raros fósseis de borboletas, a análise não teria sido possível”, lê-se no comunicado do estudo. Como as suas asas são finas e frágeis, são raros os fósseis que existem de borboletas.
O grupo de investigadores sequenciou 391 genes (analisando-se mais de 161 mil nucleótidos e 53 mil aminoácidos) de cerca de 2300 espécies (o equivalente a 92% do seu género) de borboletas para “reconstruir a árvore filogenética das borboletas” – a sua árvore da vida. A partir dessa árvore gráfica, puderam inferir os timings evolutivos e a sua história biogeográfica.
“Foi um esforço maciço, com a ajuda de cerca de 100 cientistas para fazer este estudo. Usámos quatro supercomputadores em quatro instituições, necessários para concluir os cálculos”, disse ainda o entomólogo Akito Kawahara ao Azul. O seu interesse por borboletas não é de agora. “Era um sonho de infância”, afirmou o autor principal do estudo. “Apanhei a minha primeira borboleta quando era pequeno e desde aí que sempre tive um fascínio por borboletas e pela forma como evoluíram.”
Os cientistas também usaram informação que existe em livros, alguns deles com décadas e em várias línguas, para descobrir quais as plantas que servem de abrigo às borboletas e das quais se alimentam. Era importante saber qual a distribuição actual e que plantas eram essas para se poder traçar a história de há 100 milhões de anos.
“Ainda que as borboletas sejam um dos grupos de insectos mais estudados, a sua história evolutiva e factores da sua diversificação continuam pouco estudados”, lê-se no estudo publicado na segunda-feira. Agora, este trabalho fornece dados “robustos” para futuras investigações ligadas a insectos — e sobretudo a borboletas, que são um reflexo da biodiversidade e estão cada vez mais ameaçadas pelas alterações climáticas.