Um mundo em que plantas produzem e controlam electricidade pode parecer um conceito de uma história de ficção científica, mas é precisamente isso que acontece nos muitos canteiros da Bioo no município de Viladecans, em Barcelona, Espanha. Há oito anos que a startup espanhola está a desenvolver e a “enterrar” painéis de baterias que atraem microrganismos que se alimentam das substâncias orgânicas excretadas por plantas durante a fotossíntese. O objectivo é aproveitar os electrões que libertam e que podem ser usados para gerar uma corrente eléctrica. O projecto de baterias biológicas (biobaterias) da Bioo foi uma das apostas do programa Horizonte 2020 (actualmente, Horizonte Europa), do Parlamento Europeu.
Em 2023, a electricidade gerada está longe de conseguir iluminar uma casa (ou sequer uma divisão): são produzidos apenas 15 watts por dia, por 225 metros quadrados. Em média, segundo a Deco Proteste, só o programa automático de uma máquina de lavar a loiça consome um quilowatt-hora por ciclo de lavagem. Mas isso não é motivo para desprezar esta tecnologia: a equipa da Bioo destaca que a electricidade produzida é o suficiente para alimentar lâmpadas e pequenos sensores que monitorizam a humidade e a temperatura dos terrenos cultivados. Os microrganismos usados também libertam moléculas de hidrogénio que, combinadas com o oxigénio no ar, geram moléculas de água.
“Há projectos em que já conseguimos poupar perto de 50% dos custos de irrigação”, salienta o jovem fundador e presidente executivo da Bioo, Pablo Vidarte, de 27 anos, em conversa com o PÚBLICO. “Isto não serve para competir com outras fontes de energia, como os painéis solares. Mas permite poupar”, insiste. Para Vidarte, é a chave da tecnologia.
Actualmente, a equipa está a trabalhar com a BayerCrop, uma divisão da farmacêutica alemã Bayer, focada no desenvolvimento agrícola. A tecnologia da empresa também já cobre quatro hectares do Parque Botânico Biotecnológico de Ibiza, onde está a ser testada com várias plantas em diferentes climas (mediterrâneo, deserto, florestal).
Em feiras internacionais de tecnologia, como no Mobile World Congress, em Barcelona, os jardins da empresa, que alimentam luzes e pequenas aparelhagens, são sempre dos que mais atraem atenção.
Há décadas atrás da corrida
Apesar de pouco falada, a ideia de usar componentes orgânicos (do solo, das plantas, de células humanas) para gerar electricidade está longe de ser inédita. “Há pessoas a trabalhar em baterias biológicas há décadas. E já existem baterias destas a serem usadas em sistemas de gestão de resíduos. Aquilo que fazemos de diferente é produzir biobaterias em ambientes externos”, admite Vidarte, que diz que a ideia para a Bioo lhe surgiu durante um sonho futurista a meio da licenciatura em Engenharia Multimédia, na Universidade Ramon Llul, em Barcelona. “É uma origem cliché", reconhece. "Só que quando comecei a ler sobre o assunto, percebi que não era impossível. Este é um tema muito trabalhado desde os anos 1970.”
Mesmo antes disso, em 1911, um artigo científico publicado na revista académica Royal Society Publishing já dava conta de que se podia aproveitar electricidade da Saccharomyces cerevisiae (levedura utilizada no processo de fabrico do pão e da cerveja). Décadas mais tarde, em 2007, a tecnológica japonesa Sony apresentou uma série de biobaterias que podiam alimentar pequenos dispositivos, como leitores de mp3. No entanto, a ideia não foi muito além dos protótipos da empresa. É um cenário comum no mundo das biobaterias.
Os casos de uso real escasseiam. Uma revisão da literatura sobre biobaterias, ligadas às raízes de plantas, publicada em 2019 na revista académica Renewable and Sustainable Energy, nota que o maior problema é a escassa quantidade de electricidade produzida. Alguns tipos de biobaterias também podem levar à morte das plantas.
“Com as baterias da Bioo não há qualquer efeito na planta”, defende Vidarte. “Trabalhamos com SMFC [sigla em inglês para pilhas de alimentação vegetal ligadas ao solo], o que significa que as baterias e as plantas estão separadas. Apenas os microrganismos e substâncias que são arrastados naturalmente através da irrigação para as camadas inferiores são os que utilizamos”, continua. O material usado para construir as baterias é todo biodegradável. “Os nossos painéis são o hotel perfeito para microrganismos.”
Quanto à quantidade de energia produzida, Vidarte diz que é preciso mudar de foco. Com a tecnologia que a Bioo desenvolve, agricultores podem monitorizar os terrenos a longo prazo sem a necessidade de substituir as baterias que alimentam os sensores.
Outros tipos de biobaterias podem evitar a necessidade de substituir implantes médicos. É o que a alemã Celtro faz ao explorar formas de alimentar wearables (tecnologia que se veste), implantes e sensores através de baterias que recolhem pequenas quantidades de energia de centenas de milhares de células.
"A missão com as biobaterias é mostrar que se pode usar a natureza para produzir electricidade sem a prejudicar", resume Vidarte.
Paralelamente às baterias, a empresa começou a desenvolver antenas que permitem que as plantas nos canteiros funcionem como interruptores e controlem lâmpadas ou aparelhagens de música. Foi uma das estratégias da empresa para gerar entusiasmo junto das massas. É fácil ver o efeito de uma lâmpada que acende quando se toca nas folhas ou no caule de uma suculenta. O sistema depende da colocação de uma antena no solo que é activada quando as plantas detectam uma mudança de frequência, que é convertida em voltagem, devido ao toque humano.
“Com os interruptores, mostramos que é possível estabelecer uma simbiose com as plantas e com a natureza", insiste Vidarte. "Nós não estamos a vender um produto que gera muita energia, mas sim uma solução que torna as zonas verdes economicamente eficientes."