Também nós (e não apenas o clima) contribuímos para tornar os incêndios mais extremos

Incêndios cada vez mais intensos estão a testar os limites do combate aos mesmos. Relatório da OCDE demonstra que é preciso mais aposta na prevenção e na adaptação às alterações climáticas.

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Bombeiros combatem um incêndio na freguesia de Vila Cortês do Mondego, Guarda, em Agosto de 2022 NUNO ANDRÉ FERREIRA
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O que está por detrás da cada vez maior incidência de grandes incêndios florestais? É uma pescadinha de rabo na boca: as alterações climáticas tornam os fogos florestais mais intensos; estes incêndios cada vez mais difíceis de controlar estão a libertar cada vez mais gases com efeito de estufa para a atmosfera, reforçando o aquecimento global que torna os eventos climáticos mais intensos. Pelo meio, a acção humana continua a não ajudar: segundo um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), apresentado esta quinta-feira, a actividade humana - que já se sabe que está na origem das emissões que causam as alterações climáticas - é o principal gatilho da ignição de incêndios florestais, sendo responsável por quase 70% da área total queimada a nível global.

Portugal foi um dos seis países que serviu de base à análise do relatório “Gestão dos incêndios florestais no contexto das alterações climáticas”, onde se refere, por exemplo, que “determinadas práticas agrícolas e florestais também aumentam o risco de incêndios florestais, conforme evidenciado em 2017 em Portugal, onde o eucalipto não nativo forneceu combustível altamente inflamável”.

Na apresentação do relatório, que teve lugar na 8.ª Conferência Internacional de Incêndios Florestais, que decorre no Porto, a neozelandesa ​Jo Tyndall, directora da OCDE para a área do Ambiente, sublinhou a necessidade de “repensar as nossas práticas”. As alterações climáticas estão a trazer novos padrões aos fenómenos de fogos - mais frequentes, mais intensos e com uma época de incêndios cada vez mais longa em vários locais -, o que significa que é preciso acelerar a prevenção, que já deveria estar a acontecer a todo o vapor, e também processos de adaptação.

Na apresentação do relatório, o francês Walid Oueslati, do departamento de Clima, Biodiversidade e Água da OCDE, começou por reforçar a mensagem principal: “as alterações climáticas afectam a frequência, intensidade e comportamento dos fogos”, com a duração da época de fogos “a aumentar em todo o mundo”. Por detrás deste risco acrescido estão também “práticas de uso do solo insustentáveis” que resultam em degradação ambiental, como a desflorestação ou o próprio abandono das terras, que potencia a acumulação de material combustível.

Há que ter particular atenção às mudanças nos padrões dos fogos, que obrigam tanto os especialistas como as comunidades locais a lidar com o imprevisível: “o comportamento de fenómenos tão extremos não é o mesmo do que acontecia no passado”, nota Oueslati, alertando que estas mudanças colocam cada vez mais limites no combate aos fogos. “É preciso uma mudança de paradigma no sentido da prevenção e adaptação”, indica o economista ambiental.

Uma das mensagens principais do relatório é que é preciso aumentar os esforços de adaptação às alterações climáticas para (pelo menos tentar) controlar os custos naturais, humanos e económicos cada vez mais elevados destes incêndios cada vez mais intensos. Para além das “receitas” mais conhecidas, relacionadas com o ordenamento do território, a protecção dos aglomerados urbanos, o controlo da vegetação (do “combustível”) e a monitorização de zonas de risco, essa mudança de paradigma passa também, defende o economista, por “abordagens participativas”: é preciso envolver as populações na construção das soluções, explica, para que as regras não sejam vistas como “apenas restrições”.

Em jeito de comentário final, a directora da OCDE para o Ambiente chamou a atenção para um dos pontos da apresentação, os chamados “feedback loops” - a tal pescadinha de rabo na boca, em que as alterações climáticas intensificam os incêndios, que por sua vez destroem biodiversidade e emitem gases que intensificam as alterações climáticas. Para pôr um fim a este ciclo, é urgente uma “mudança de paradigma” com foco na prevenção e na adaptação, e não apenas na supressão e combate aos fogos.

“Nem sempre é uma questão de meios”

O relatório baseou-se nos casos da Austrália, Costa Rica, Estados Unidos, Grécia e Portugal para compreender como adaptaram a sua acção aos grandes incêndios que afectaram estes países nos últimos anos. A apresentação do documento foi precedida, assim, por uma intervenção da ministra portuguesa da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa.

A ministra começou por notar que os fogos que têm destruído o território “a cada ano vão saindo da sazonalidade e se tornam numa ameaça constante”. E estes territórios vulneráveis “continuam a ter desafios recorrentes devido às alterações climáticas”, por exemplo, as secas que prometem não dar trégua, com as previsões a apontarem para cenários em que sete em cada dez anos serão afectados por secas severas, alerta a ministra.

Portugal vai fazendo o seu trabalho de casa: teve a sua primeira Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas aprovada já em 2010, um compromisso renovado em 2015 com prazo até 2020 (entretanto prorrogado até 2025). Desde 2020, já com as lições aprendidas com os grandes incêndios de 2017, surge o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR), com reforço de recursos para o combate aos fogos e também um pilar de prevenção e vigilância.

O trabalho da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), descreve a ministra, é garantir uma “coordenação multi-sectorial”. Para a governante, mais do que falar sobre os meios, o mais importante é a “coordenação”: “Nem sempre é uma questão de meios, é uma questão de conhecimento e de organização.”

Reforçando que é necessário encontrar uma fórmula mais atractiva de incentivos para que os proprietários cuidem das suas terras (a fragmentação do território é um dos grandes problemas da gestão integrada e da prevenção dos fogos florestais), a ministra não teve medo de se pôr na berlinda: “governos, municípios, cidadãos, este é um esforço em que cada um conta”.