Estado compra gomil de porcelana chinesa do início do século XVI por 825 mil euros
A peça, que testemunha o início das relações comerciais entre o Portugal manuelino e a China do período do imperador Zhengde (1506-1521), vai completar a colecção do Museu Nacional de Arte Antiga.
O Estado português vai adquirir, por 825 mil euros, um gomil (jarro de boca estreita) de porcelana chinesa do início do século XVI, que deverá ser incorporado na colecção do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), e ainda, por 35 mil euros, uma jóia que pertenceu à rainha Maria Pia, destinada ao Palácio Nacional da Ajuda, anunciou esta quarta-feira o Ministério da Cultura (MC).
Ambas as aquisições serão feitas através da Comissão para Aquisição de Obras de Arte para os Museus e Palácios Nacionais, criada este ano, no âmbito da revisão do Estatuto do Mecenato Cultural, com um orçamento de dois milhões de euros. O gomil será comprado à Fundação Ricardo Espírito Santo Silva, ao passo que a jóia – um conjunto formado por colar e brincos com pérolas, turquesas e camafeus, no seu estojo original, deixado em testamento pela arquiduquesa Maria Luísa da Toscana (1798-1857) à sua sobrinha-neta Maria Pia de Sabóia – estava na posse de um particular que o comunicado do MC não identifica.
"São peças que, vendidas em leilão e no mercado internacional, muito provavelmente teriam um valor muito superior" àquele que o Estado vai agora desembolsar para "garantir que ficam em Portugal, disponíveis para a fruição pública", explicou o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, aos jornalistas, à margem de uma visita ao Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.
O gomil de porcelana cuja aquisição foi agora anunciada testemunha o período em que se estabelecem as primeiras relações regulares entre o Portugal manuelino e a China do período do imperador Zhengde, que reinou a partir de 1505 e veio a morrer no mesmo ano que D. Manuel I, em 1521. "As encomendas de porcelana chinesa que são feitas por Portugal à China têm um enorme impacto na Europa, sendo usadas por D. Manuel e por D. João III como ofertas diplomáticas a cortes europeias e ao Papa", adianta o comunicado do MC, sublinhando que já só resta hoje "um grupo extremamente reduzido destas peças, na posse de instituições nacionais e estrangeiras, como o Metropolitan Museum de Nova Iorque ou o Museu Pusat de Jacarta".
O jarro de porcelana, que se destaca "pela qualidade de execução e a enorme delicadeza da sua porcelana extremamente fina", ornamentada "com esfera armilar e decoração floral miúda", passará mesmo a constituir, diz o comunicado, "o primeiro exemplar das encomendas manuelinas de porcelana chinesa a integrar uma colecção do Estado". E a sua incorporação no MNAA assume especial importância, afirma ainda o MC, num momento em que este museu prepara, em sede de PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), a renovação completa do piso onde se apresentam as artes decorativas orientais e a sua colecção de porcelanas chinesas, uma das mais relevantes a nível internacional".
O gomil e o colar de Maria Pia vêm assim juntar-se a sete obras de arte já adquiridas por proposta da Comissão para Aquisição de Obras de Arte para os Museus e Palácios Nacionais, num investimento global de 1,4 milhões de euros.
Para o Museu do Tesouro Real foi adquirida, com o apoio do Imamat Ismaili, entidade liderada pelo príncipe Aga Khan, uma salva de prata do início do século XVI, única peça em falta num conjunto de 23. Para o MNAA, foram adquiridas três obras da colecção Alexandre de Sousa Holstein, duas das quais da autoria de Vieira Portuense (Banquete do Gama na Ilha dos Amores e Vasco da Gama presenteando o Samorim de Calecute); uma pintura flamenga do início do século XVI; um retrato do Cardeal D. Henrique, de Domenico Tintoretto; e a pintura Mês de Abril, de Baltazar Gomes Figueira e Josefa de Óbidos. Finalmente, para o Museu Nacional do Azulejo, foi adquirido um painel disposto em três cenas – Morte de Golias por David, Triunfo de David e David eliminando o leão e o urso –, com "provável manufactura de Cornelis Van der Kloet, pai do autor dos azulejos da Igreja da Madre de Deus".
Esta comissão é composta pelo director-geral do Património Cultural, João Carlos dos Santos, e pelos directores dos museus nacionais de Arte Antiga, Joaquim Caetano, do Azulejo, Alexandre Pais, do Soares dos Reis, António Ponte, e ainda do Palácio Nacional da Ajuda – Museu do Tesouro Real, José Alberto Ribeiro. A estrutura funcionará nos actuais moldes até ao final de 2023, mas terá continuidade em 2024 com um novo enquadramento, no âmbito da restruturação da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) que está a ser preparada pelo actual Governo.