El Niño: aumento da temperatura média global pode passar 1,5 graus pela primeira vez

Novo alerta da Organização Meteorológica Mundial: os próximos cinco anos podem ser os mais quentes desde que há registo. Pouco a pouco, vamos começar a ultrapassar os limites do Acordo de Paris.

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Com o El Niño, aumentam os riscos de incêndios florestais na Amazónia Reuters/UESLEI MARCELINO
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"É a primeira vez na história que é mais provável que se exceda o limite de 1,5 graus de aquecimento do que se fique aquém desse valor", resumiu Adam Scaife, um dos cientistas que ajudou a elaborar as mais recentes previsões da Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgadas esta quarta-feira. Com o fenómeno El Niño a dar uma ajuda, é bastante provável que nos próximos cinco anos a temperatura média anual do planeta chegue já a 1,5 graus Celsius acima dos valores anteriores à Revolução industrial, admitiu a OMM. É o segundo alerta que a organização divulga este mês sobre este tema.

Há 66% de probabilidades de que pelo menos num dos anos entre 2023 e 2027 o aumento da temperatura média global ultrapasse o limite de 1,5 graus, especificado no Acordo de Paris, diz a OMM. Ou seja, as probabilidades de o limite ser ultrapassado são superiores à possibilidade de que isso não aconteça. E há também 98% de probabilidades de que um dos próximos cinco anos, ou todo o período de cinco anos, seja o mais quente na Terra desde que há registo, diz um comunicado desta agência das Nações Unidas.

As previsões estão longe de serem animadoras mas estes dados não significam que não há volta atrás no aquecimento global e que ultrapassámos de forma irreversível o limite de que fala o Acordo de Paris. “Isto não quer dizer que vamos ultrapassar de forma permanente o nível de 1,5 graus. O valor do Acordo de Paris refere-se a um aquecimento a longo prazo, durante muitos anos. No entanto, a OMM está a lançar o alarme porque é provável que ultrapassemos pontualmente este limite de forma temporária e com uma frequência cada vez maior", disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, citado no comunicado.

"É a primeira vez na história que é mais provável que se exceda o limite de 1,5 graus de aquecimento do que se fique aquém desse valor", confirmou Adam Scaife, coordenador do serviço de previsões a longo prazo do Centro Hadley do Met Office (equivalente ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera) britânico, que trabalhou nas previsões de 2023 a 2027 agora publicadas pela OMM. No ano passado, as probabilidades de se ultrapassarem 1,5 graus eram calculadas em 50%.

É um sinal de que estamos a aproximar-nos cada vez mais do limiar de 1,5 graus, o que terá consequências, disse Leon Hermanson, também do Centro Hadley do Met Office. Mostra-nos também que o mundo não está a fazer progressos suficientes para cortar as emissões de gases com efeito de estufa. “As nossas escolhas e acções durante esta década terão impactos agora e durante milhares de anos”, dizia o relatório de síntese do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, divulgado em Março.

À espera do El Niño

A fazer aumentar as probabilidades de os próximos cinco anos serem os mais quentes de sempre está o início do padrão climático El Niño. Trata-se de um fenómeno climático natural geralmente associado ao aumento das temperaturas e da seca, em algumas partes do mundo, e às fortes chuvas, noutras.

A água à superfície do oceano Pacífico tropical fica mais quente, aquecendo a atmosfera, o que provoca um aumento da temperatura a nível global. Aconteceu pela última vez em 2018-2019 e deu lugar a um episódio particularmente longo — La Niña —, que causa efeitos opostos e, em particular, uma queda nas temperaturas.​

Assim, espera-se que durante os próximos meses se desenvolva o fenómeno El Niño, que deverá provocar uma subida das temperaturas na América do Norte e um aumento da situação de seca na América do Sul, aumentando ainda o risco de incêndios florestais na Amazónia. "O El Niño deverá combinar-se com as alterações climáticas provocadas pelo homem para empurrar a temperatura global para limites nunca alcançados", disse Petteri Taalas. "Isto terá repercussões profundas, para a saúde, segurança alimentar, gestão da água e do ambiente. Temos de nos preparar", concluiu.

Desde o início deste ano, e até antes disso, que os alertas sobre o efeito El Niño se fazem ouvir. Um dos primeiros chegou do Met Office, que, sem meios-termos, dizia já em Dezembro que o ano de 2023 poderá ser um dos mais quentes desde que há registo.

Em Abril, o serviço Nacional de Meteorologia (SNM) dos Estados Unidos emitiu um estado de vigilância em relação ao fenómeno climático El Niño, depois de os cientistas terem observado os primeiros sinais do padrão climático conhecido por aumentar as temperaturas globais.

No mesmo mês de Abril, os responsáveis pelo Serviço de Alterações Climáticas do programa europeu Copérnico juntavam-se ao coro. Os especialistas confirmavam desta vez que os modelos climáticos sugerem que, após três anos do padrão climático de La Niña no oceano Pacífico, que geralmente baixa ligeiramente as temperaturas globais, o mundo irá experimentar um regresso ao El Niño, o homólogo mais quente, no final deste ano (chama-se El Niño porque costuma formar-se por altura do Natal) ou mesmo antes disso.

Ultrapassar, ainda que temporariamente, o limite de 1,5 graus acima da temperatura que a Terra tinha antes da Revolução Industrial pode dar-nos uma antevisão daquilo que nos espera se passarmos de forma definitiva esse limiar.

"Este relatório deve ser encarado como um alarme para intensificar os esforços globais para lidar com a crise climática", disse Doug Parr, cientista do ramo britânico da organização ambientalista Greenpeace.