CIA cria Telegram, publica anúncio a recrutar espiões russos e abre canal de comunicação na dark web

Agência dos EUA publicou vídeo que apela a russos a denunciar informação sobre o Kremlin. É o primeiro conteúdo na nova conta de Telegram da CIA, criada segunda-feira. Contacto é feito na dark web.

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No vídeo, quando uma das personagens pega no telemóvel para contactar a CIA, o narrador diz em russo: "Vamos viver com dignidade"
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A CIA, a agência de segurança e vigilância norte-americana, abriu uma conta no Telegram e publicou um anúncio de emprego: quer contratar espiões russos dispostos a denunciar as informações sensíveis a que têm acesso. “É um agente da polícia ou militar? Trabalha na área das informações secretas, diplomacia, ciência, alta tecnologia ou lida com pessoas que o fazem? Tem informações sobre economia ou a alta liderança da Federação Russa? Contacte-nos. Talvez as pessoas ao seu redor não queiram ouvir a verdade. Nós queremos”, diz um dos textos publicados na rede social.

De acordo com as primeiras informações colocadas no mural — que foi criado a 13 de Abril, mas só começou a ter mensagens desde segunda-feira — que não incluem qualquer referência à guerra na Ucrânia ou a Vladimir Putin, a nova conta tem como missão “alcançar aqueles que se sentem compelidos a integrar a CIA e garantir que sabem como fazê-lo da maneira mais segura possível”, bem como salvaguardar “que os indivíduos possam entrar em contacto em segurança a partir de qualquer lugar do mundo”.

A agência publicou um vídeo com quase dois minutos, com áudio e legendas em russo, que retrata funcionários ligados ao Kremlin — um homem e uma mulher, ambos com ligações familiares fortes, mas sem contacto entre si — a tomar a iniciativa de contactar a CIA para denunciar a informação sensível a que têm acesso após terem colocado em causa as motivações do regime russo. Quando a mulher pega no telemóvel para contactar a CIA, tomando “a difícil, mas importante decisão” de contactar a agência norte-americana, o narrador diz, em russo: “Vamos viver com dignidade, graças às minhas acções.”

Um segundo vídeo, com duração semelhante e publicado mais tarde, presta todas as informações sobre como contactar a CIA — incluindo uma série de credenciais. Numa mensagem publicada há algumas horas, a agência norte-americana revela também que estabelece a linha de contacto entre os denunciantes e a agência através de um portal na dark web — o Tor Project, um sistema de partilha anónima de informação.

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A descrição que surge na informação geral do canal afirma que a "missão global" da CIA é permitir que os indivíduos cheguem ao contacto com a agência "de forma segura em qualquer lado" CIA/Telegram (captura de ecrã)

“A CIA quer saber a verdade sobre a Rússia e procuramos pessoas de confiança ​​que saibam e possam contar-nos essa verdade. As suas informações podem ser mais valiosas do que pensa”, diz um texto publicado no Telegram em que a agência promete proteger quem a contacta. Mas pede “paciência” a quem o fizer: “Agradecemos a sua coragem. Analisamos cuidadosamente os documentos apresentados de forma a dar uma resposta adequada e, ao mesmo tempo, garantir a sua segurança.”

Em entrevista à CNN Internacional, fontes da CIA disseram que a guerra na Ucrânia se transformou numa oportunidade “para que os russos forneçam as informações de que os Estados Unidos precisam”, tal como já terá acontecido logo depois da invasão. “Queríamos transmitir aos russos, na sua própria língua, que sabemos pelo que estão a passar”, afirmou um dos funcionários: “A Ucrânia está no topo dos nossos pensamentos, mas isto é mais ou menos um sintoma de algo maior. Há sempre indivíduos na Rússia que se identificam com o que temos a dizer aqui.”

Em Março, o The Washington Post noticiou que o FBI — a polícia de investigação federal dos Estados Unidos — enviava anúncios críticos do Kremlin a telemóveis de pessoas russas quando estavam nas proximidades da Embaixada da Rússia em Washington. Os mesmos anúncios não surgiam depois quando esses mesmos indivíduos se deslocavam para longe da embaixada. O objectivo, afirma o jornal norte-americano, era identificar cidadãos russos nos Estados Unidos que, por estarem descontentes com a actuação do Kremlin na invasão da Ucrânia, poderiam ter interesse em espiar contra a Rússia.

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As mensagens em que a CIA cede as instruções para as pessoas interessadas em colaborar com a agência entrem em contacto com ela. Ambos os conteúdos estão em russo CIA/Telegram (captura de ecrã)

Os anúncios surgem no Facebook, Twitter e Google. Mostram quase sempre a imagem do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, com citações do próprio. Numa das mensagens pode ler-se: “Fale claramente, Serguei”, numa referência à ocasião em que Putin enfrentou Serguei Ievgenievich Narishkin quando o chefe dos serviços secretos russos sugeriu a anexação à Rússia de Donetsk e Lugansk, cuja independência é reconhecida pelo Kremlin. No anúncio, o FBI fez uso das palavras de Putin e apelou: “Fale claramente, nós estamos prontos a ouvir”. “As informações fornecidas ao FBI pelo público são o meio mais eficaz de combater ameaças. Se tiver informações que possam ajudar o FBI, entre em contacto connosco”, pediu a polícia de investigação.

Anatoli Antonov, embaixador da Rússia nos Estados Unidos, classificou a técnica como “ridícula” e acusou o The Washington Post de ter publicado o artigo como manobra de publicidade às “inovações” do recrutamento de espiões do FBI. “As tentativas de semear a confusão e promover o abandono entre os funcionários da Embaixada da Rússia nos Estados Unidos são ridículas”, disse ele numa mensagem deixada no Twitter em Março.

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