Liberdade de expressão está sob ameaça no Ocidente, alerta Salman Rushdie
Romancista dirigiu mensagem em vídeo aos British Book Awards, que lhe atribuíram esta segunda-feira o prémio Freedom to Publish.
Nove meses após o brutal ataque de que foi vítima quando se preparava para dar uma palestra no estado americano de Nova Iorque, e que o deixou cego de um olho e com uma mão inutilizada, Salman Rushdie recebeu o prémio Freedom of Speech, atribuído de surpresa no final da gala dos British Book Awards, na segunda-feira, e que o romancista agradeceu com uma mensagem gravada em vídeo, na qual afirma que a liberdade de expressão e de publicação está hoje sob ameaça nos países ocidentais.
Distribuídos por dezenas de categorias, algumas destinadas a autores, outras a editores, os British Book Awards só tinham até agora atribuído uma vez – à Harper Collins UK e à sua directora editorial, Arabella Pike, pela defesa dos seus autores contra a interferência de oligarcas russos – o prémio Freedom of Speech, apoiado pela organização de defesa da liberdade de expressão Index of Censorship. Ao final da tarde de segunda-feira, os convidados que assistiam à gala no hotel Grosvenor House, em Londres, foram surpreendidos pelo anúncio de que o prémio voltaria a ser concedido este ano para reconhecer a luta de Salman Rushdie em prol da liberdade de criação artística.
“Ninguém foi mais corajoso, mais firme e mais brilhante na defesa da verdade e da liberdade artística”, afirmou a escritora Monica Ali ao apresentar o prémio e o premiado.
O romancista, que está radicado nos Estados Unidos, respondeu com um breve discurso gravado em vídeo – transcrito na íntegra no site da revista Publishing Perspectives –, que abre com este aviso: “Penso que estamos a viver um momento em que a liberdade de expressão e a liberdade de publicação nunca estiveram, no meu tempo de vida, sob uma tal ameaça nos países do Ocidente.”
Reconhecendo que “há obviamente partes do mundo nos quais a censura vem sendo predominante há muito tempo” – como “a Rússia, a China e, em alguns aspectos, também a Índia”, exemplificou –, “nos países ocidentais havia, até há pouco tempo, uma liberdade significativa no sector da edição”. Mas agora, prosseguiu, tem vindo a presenciar “insólitos ataques a bibliotecas e a livros infantis nas escolas”. Uma situação “alarmante”, da qual “devemos estar conscientes” e que se impõe “combater muito duramente”.
Aludindo ao médico inglês Thomas Bowdler (1754-1825), que se celebrizou pela sua muito escarnecida edição de uma colecção das obras de Shakespeare para as famílias, da qual quis remover tudo o que pudesse ofender uma “mente religiosa e virtuosa”, o autor de Os Versiculos Satânicos afirmou ainda: “Também tem sido inquietante ver editores tentarem – como é que hei-de chamar a isto? – ‘bowdlerizar’ a obra de autores como Roald Dahl e Ian Fleming, e tenho de dizer que a ideia de que se poderia tornar James Bond politicamente correcto é quase cómica.”
Defendendo que “é preciso resistir” a esta tentativa de reescrever obras do passado, porque “os livros devem chegar-nos vindos do seu próprio tempo, e ser desse tempo”, recomendou: “Se for difícil aceitá-los como são, leiam outros livros, não tentem refazer as obras de ontem à luz das atitudes de hoje.”
Justificando a decisão de atribuir este prémio a Salman Rushdie, o presidente do júri dos British Book Awards, Philip Jones, afirmou que “dificilmente poderíamos encontrar um vencedor mais importante e um momento mais decisivo”. Lembrando que o prémio Freedom of Speech existe para “defender o direito de ler, escrever, falar e ouvir sem interferências”, sublinhou que “poucos viveram este desafio como Rushdie, que continua a pagar por isso um alto preço”.