ONU quer “fechar a torneira” da poluição por plástico em 80% até 2040. Será possível?

Reutilizar, reciclar, reorientar e diversificar. Estas são as mudanças necessárias para criar uma economia verdadeiramente circular, diz o Programa das Nações Unidas para o Ambiente.

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A escultura "Fechem a torneira ao plástico" do escultor e activista canadiano Benjamin von Wong Monicah Mwangi/REUTERS
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Produzem-se 430 milhões de toneladas de plásticos todos os anos e dois terços são produtos com uma vida útil curta, que rapidamente se transformam em lixo, uma grande parte dele não-tratado, que se deposita na natureza e até nos nossos corpos, com consequências para a nossa saúde e a do ambiente. Um relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP, na sigla em inglês) apresentado nesta terça-feira oferece uma “bússola” para conseguirmos reduzir em 80% até 2040 a poluição por plástico.

“A forma como produzimos, usamos e deitamos fora os plásticos está a poluir os ecossistemas, a criar riscos para a saúde humana e a desestabilizar o clima”, disse Inger Andersen, directora executiva da UNEP, no prefácio do relatório Fechar a Torneira: Como o mundo pode acabar com a poluição por plástico e criar uma economia circular. A capa é uma torneira que parece suspensa no ar, a jorrar plásticos, uma escultura do artista e activista climático canadiano Benjamin von Wong, que também chegou ao Parque das Nações, em Lisboa, na altura da Conferência dos Oceanos, no ano passado.

O relatório aparece poucos dias antes da segunda sessão do Comité Intergovernamental de Negociações para esse acordo, que se reúne entre 29 de Maio e 2 de Junho, em Paris. Espera-se que este acordo, que prestará especial atenção à poluição por plástico no meio marinho, venha a existir até 2024.

Não há como escapar a esta poluição: a investigação científica está a conseguir relacionar cada vez mais produtos químicos usados em todos os ciclos da produção de plásticos a danos para a saúde humana, bem como potenciais impactos para os ecossistemas, salienta o relatório. Já foram encontrados microplásticos (partículas com menos cinco milímetros de diâmetro) nas águas mais fundas dos oceanos, nos gelos dos glaciares de montanha, no Árctico, no leite materno e em vários órgãos nos nossos corpos.

As estimativas dos custos sociais e ambientais relacionados com a poluição por plásticos oscilam entre 300 e 600 mil milhões de dólares por ano, sublinhou Sheila Aggarwal-Khan, directora da Divisão de Indústria e Economia no UNEP, numa conferência de imprensa online para apresentar o novo relatório.

Primeiro, reduzir

Isto sem falar das emissões de dióxido de carbono – pois a grande maioria dos plásticos é derivada do petróleo. Se nada se fizer para mudar a forma como produzimos e a quantidade de plásticos novos que estão sempre a chegar ao mercado, as emissões desta indústria podem representar 19% do total que os nossos cálculos dizem que pode existir na atmosfera em 2040, para ser ainda possível cumprir o objectivo de limitar a subida da temperatura média do planeta a 1,5 graus, salienta o relatório. Mas isto tornaria, na prática, impossível de cumprir essa meta, a do Acordo de Paris.

Fala-se, por isso, na necessidade de um acordo internacional vinculativo para agir sobre a poluição por plásticos, e este documento pretende ser uma base de trabalho para a segunda sessão de negociações, que começa no fim do mês. “Há muita boa vontade sobre este assunto”, avalia Inger Andersen, na mesma conferência de imprensa.

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Uma praia cheia de resíduos de plástico em Bombaim, na Índia Hemanshi Kamani/REUTERS

“Temos de fechar a torneira da poluição por plásticos”, disse Inger Andersen. A taxa actual de lixo plástico que neste momento é reciclado e reentra na economia é muito baixa – cerca de 15% para produtos de uso de curta duração, e 10% para todo o tipo de plásticos, diz o relatório.

“Acabar com a poluição por plástico exige uma alteração sistemática. Não basta dizer que vamos apenas apostar na reciclagem, ou acabar com os plásticos de uso único. Tem de haver uma acção integrada, que incida em todo o ciclo de vida dos plásticos”, sublinhou Sheila Aggarwal-Khan. O objectivo é conseguir reduzir em 80% a poluição por plástico até 2040, com tecnologias que já existem hoje.

A primeira coisa que é preciso fazer, sublinham os autores do relatório do UNEP, é reduzir a quantidade de plásticos, diz um comunicado de imprensa sobre o relatório. Se não se fizer nada, prevê-se que os números actuais tripliquem até 2060 (números da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, OCDE).

Uma maneira de reduzir a quantidade de invólucros plásticos é parar para pensar se muitos dos produtos que hoje são vendidos sob a forma de líquidos não poderão ser comercializados como sólidos, reduzindo a necessidade de recipientes, sugeriu Inger Andersen.

Uma mensagem importante que a UNEP quer fazer passar é que esta mudança para uma verdadeira economia circular representa uma poupança de dinheiro até 2040, comparando com a evolução prevista se não mudarmos nada: cerca de 1,3 triliões de dólares [1,19 biliões de euros], considerando investimento, custos de operação e gestão e rendimentos da reciclagem. Pode-se ainda evitar 3,3 triliões de dólares [3,03 biliões de euros] em custos indirectos – como os efeitos da poluição por plástico na saúde humana. Além disso, prevê-se a criação de 700 mil empregos, sobretudo no Sul global.

Três transformações

O caminho que preconiza o relatório passa por três transformações no mercado: reutilização, reciclagem, e reorientação e diversificação.

A reutilização é a transformação mais poderosa: é possível reduzir 30% da poluição por plástico apostando em medidas nesta área, que incluem coisas como garrafas que podem ser enchidas várias vezes, sacos reutilizáveis, esquemas de devolução do depósito quando se devolvem os recipientes, por exemplo.

Se se garantir que a reciclagem se torna um negócio mais estável e lucrativo, poderíamos reduzir em mais 20% a poluição por plástico, diz o relatório da UNEP. Isto aconteceria se aumentássemos a parcela de plásticos que é economicamente viável reciclar de 21% para 50% até 2040. É por isso aconselhada uma uniformização em regras de fabrico, como remoção de tintas, pigmentos e aditivos que interferem na reciclagem, ou acabar com o uso de polímeros problemáticos para a reciclagem, para facilitar o processo.

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Garrafas de plástico prensadas numa fábrica de reciclagem em Pequim Kim Kyung-Hoon/REUTERS

Outra medida importante para tornar a reciclagem mais rentável seria acabar com os subsídios para os combustíveis fósseis, que fazem com seja mais barato fazer produtos plásticos novos do que reciclar.

A terceira transformação, denominada reorientação e diversificação, tem a ver com a substituição de produtos como invólucros de plástico, saquetas e recipientes de comida pronta com produtos feitos de materiais alternativos (papel, materiais compostáveis, plástico reciclado, por exemplo). Estas medidas poderiam dar lugar a uma diminuição de 17% da poluição por plástico até 2040.

100 milhões de toneladas de plásticos de uso único

Será ainda preciso lidar com 100 milhões de toneladas de lixo de plásticos de uso único ou por tempo reduzido. Nesta categoria inclui-se poluição por microplásticos, usados em pneus, têxteis e produtos de higiene pessoal. Para tentar reduzir a quantidade desta poluição, é preciso, por exemplo, um esforço para redesenhar pneus e fibras têxteis, introduzir filtros nas máquinas de lavar e proibir que se adicionem microplásticos a produtos como cremes hidratantes e outros.

“As necessidades de investimento para estas mudanças sistemáticas são mais reduzidas do que se continuarmos tal como estamos hoje, mas apresentarão alguns desafios, como a exigência de um capital elevado à partida”, diz o relatório. “Serão necessárias intervenções para garantir que a transição é económica e financeiramente viável para todos os intervenientes, diz a análise da UNEP.

Muito do investimento necessário poderá ser mobilizado redireccionando o que estava previsto para novas unidades de produção de produtos plásticos para infra-estruturas da economia circular, diz o relatório. E podem ser concebidas políticas de incentivos à circularidade, tais como uma taxa sobre a produção de plásticos novos, ou taxas (ou até proibições) de invólucros plásticos, como sacos e recipientes ou utensílios de plástico na comida de take-away.

“Os países que hoje têm uma alta taxa de reciclagem têm sistemas de recolha de resíduos e de depósito, sistemas com bastante regulamentação. Onde há menos regulamentação, há menos incentivos à reciclagem e faz-se menos”, sublinhou Inger Andersen.