França reúne países da UE para fazer lobbying a favor da energia nuclear
Reunião em Paris de países europeus que querem incluir o nuclear equação das energias renováveis. Alemanha lidera o bloco contrário, que não aceita que esta energia seja considerada renovável.
O Governo francês reuniu nesta terça-feira em Paris 16 países europeus a favor da energia nuclear. Assim marcou a sua posição no conflito que se desenha já há algum tempo na União Europeia, entre a França e a Alemanha, sobre o papel que a indústria nuclear pode dar para cumprir as metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa.
“Daqui a 2050, a energia nuclear poderá fornecer até 150 GW de electricidade, se for continuada a exploração das instalações existentes com toda a segurança, forem construídos 30 a 45 novos grandes reactores e sejam desenvolvidos pequenos reactores modulares na União Europeia”, afirma o comunicado final desta reunião de que foi anfitriã Agnès Pannier-Runacher, ministra da Transição Energética francesa.
“Isto representa 92 mil milhões de euros para o Produto Interno Bruto da Europa e também a criação de mais de 300 mil empregos directos e indirectos até 2050”, continua o comunicado da reunião, para a qual foi convidada também a comissária europeia da Energia, Kadri Simson.
Um porta-voz da Comissão Europeia disse à Reuters que a presença da comissária era “um sinal de atenção activa a uma indústria crescente e a uma tecnologia fundamental para a neutralidade climática, mas sem abandonar o nosso papel limitado e posição neutral”.
A reunião em Paris aconteceu no mesmo dia em que os deputados franceses aprovaram o projecto de lei para o relançamento da energia nuclear, que teve já luz verde no Senado a 9 de Maio. A Europa Ecologia – Os Verdes e a França Insubmissa foram os únicos partidos que se opõem a esta legislação, que dá forma ao projecto anunciado por Emmanuel Macron de construir seis novos reactores entre 2035 e 2042, e estudar a possibilidade de mais oito.
A lei inclui uma série de medidas para facilitar o avanço da energia nuclear, incluindo dar a cada reactor o estatuto de interesse público, e o fim do limite de 50% da electricidade de origem nuclear no mix energético francês, imposto pelo Presidente socialista François Hollande.
Apesar desta ambição em construir novos reactores, há obstáculos de peso. Como o facto de os custos se estimarem em mais de 50 mil milhões de euros, e a EDF, a eléctrica que explora os reactores nucleares franceses, estar na bancarrota. Tem uma dívida de 64 mil milhões de euros e por isso teve de ser completamente nacionalizada no Outono passado.
Dois pólos opostos
Na reunião de Paris, além de França, estiveram representados Bélgica, Bulgária, Croácia, Eslovénia, Eslováquia, Estónia, Finlândia, Hungria, Itália, Países Baixos, Polónia, República Checa, Roménia e Suécia. O Reino Unido também, enquanto país convidado. Em Itália, a Câmara dos Deputados aprovou a 9 de Maio uma moção que prevê um possível regresso a esta forma de energia, aproximando-se da visão pró-nuclear da primeira-ministra de extrema-direita, Giorgia Meloni.
Estes países integram a aliança, liderada pela França, que tem defendido, em vários momentos de aprovação de legislação relacionada com a energia e as alterações climáticas, que o nuclear seja considerado como energia renovável.
Do lado oposto está um grupo de 11 países, tendo à frente a Alemanha, que encerrou os seus últimos reactores nucleares em Abril. Do seu lado estão também a Áustria, o Luxemburgo, Espanha e Portugal, que querem manter a energia nuclear fora das metas de energias renováveis. Apesar de poder ser vista como uma energia de baixo carbono, se o nuclear for incluído nas metas de energias renováveis, desviará investimento que deveria ser canalizado para aumentar as renováveis, dizem os críticos.
Realçam também a falta de uma solução definitiva para os resíduos radioactivos e as dificuldades de manutenção das centrais – bem ilustrados pela série de fissuras e outros problemas detectados no ano passado, que chegaram a forçar a paragem de metade das 56 centrais nucleares francesas.
Mas França está apostada no renascimento do nuclear, e vários países europeus apoiam-na. Esta é já a terceira reunião da aliança nuclear liderada por França. Segundo o comunicado da ministra Agnès Pannier-Runacher, “os participantes enviaram uma mensagem clara sobre a importância do nuclear na estratégia energética europeia, tanto para reforçar a soberania energética do continente como para acelerar a descarbonização e atingir objectivos climáticos”.
Estas palavras remetem para as disputas que se têm verificado em torno de legislação europeia. A mais recente aconteceu quando os Vinte e Sete discutiam o Acto legislativo Indústria de Impacto Zero. Em causa estava sobretudo o hidrogénio verde. França queria que fosse levado em conta o hidrogénio de baixo carbono, produzido graças a energia nuclear; para Berlim e os seus aliados, só se produzido graças a energia eólica ou fotovoltaica seria aceitável chamar-lhe hidrogénio verde, ou renovável, sob pena de o nuclear atrair investimento que deveria ser dirigido para desenvolver as energias renováveis.
Depois de muita discussão, chegou-se a uma solução de compromisso no fim de Março, conta o Politico. A energia nuclear não foi incluída na lista de “tecnologias estratégias para a neutralidade carbónica”, mas noutro ponto do texto fala-se em “tecnologias avançadas para produzir energia a partir de processos nucleares com resíduos do ciclo do combustível mínimos, pequenos reactores modulares e combustíveis conexos mais avançados”.
Para a França, tirar a energia nuclear da equação das energias renováveis traz o risco de que não se alcancem as metas climáticas da União Europeia. “Não entendo a posição da Alemanha, porque não acredito que até meados do século sejam capazes de cumprir uma estratégia para atingir a neutralidade carbónica baseada apenas em fontes renováveis”, disse ao Politico Joël Barre, delegado interministerial do novo nuclear – o coordenador do esforço de construção das novas centrais nucleares, apelidado de “Monsieur Nuclear” pelos media.
Corrigido o valor da dívida da EDF: 64 mil milhões de euros, não 64 milhões de euros